Jus Civile #29

Bem-vindo à 29ª edição da Jus Civile! No ritmo do carnaval, entre um bloquinho e outro, que tal atualizar seus conhecimentos jurídicos? Trazemos institutos, jurisprudências de destaque e aquela pitada de inovação para manter sua prática afiada, mesmo em clima de folia. 🎶📖

Imagem: criação Jus Civile

Institutos

Coisa julgada formal

O instituto da coisa julgada é um dos pilares do processo civil, e busca promover a estabilidade e a segurança jurídica das decisões judiciais. No entanto, nem toda decisão transitada em julgado impede a rediscussão do mérito em outro processo. Quando se fala em coisa julgada formal, a proteção recai sobre a decisão no processo em que foi proferida, não impedindo que a matéria seja reapreciada em outro processo.

A coisa julgada formal ocorre quando uma decisão se torna definitiva dentro do próprio processo em que foi proferida, impedindo que seja rediscutida naquela mesma ação. Trata-se de uma estabilidade endoprocessual. Entretanto, ela não impede que o mesmo tema seja discutido em outro processo, pois não há trânsito em julgado sobre o mérito da questão em si.

Esse conceito está relacionado à estabilidade interna do processo, significando que a decisão se torna imutável apenas naquele procedimento específico, sem prejudicar a possibilidade de nova apreciação em futuras ações.

📌Exemplo prático: Imagine uma decisão que extingue um processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual, conforme o Art. 485 do CPC. Essa decisão faz coisa julgada formal, pois se torna definitiva dentro daquele processo. No entanto, não impede que a parte ajuíze uma nova ação sobre o mesmo tema, desde que sanado o vício que motivou a extinção.

É essencial não confundir a coisa julgada formal com a coisa julgada material:

  • Coisa julgada formal: produz a imutabilidade da decisão dentro do processo em que foi proferida. Não impede que o tema seja rediscutido em outro processo.

  • Coisa julgada material: torna a decisão imutável em qualquer processo futuro, impedindo que a matéria seja novamente apreciada pelo Judiciário.

O reconhecimento da coisa julgada formal é fundamental para a segurança jurídica processual, evitando a reabertura de debates dentro do mesmo processo. Ela promove a estabilidade interna do procedimento, preservando a coerência e a economia processual. No entanto, como não impede a rediscussão do tema em outros processos, a coisa julgada formal oferece uma flexibilidade que permite às partes buscar uma nova decisão, caso o contexto permita, sem comprometer a segurança jurídica.

Latim jurídico

In re ipsa

A expressão latina in re ipsa pode ser traduzida como "na própria coisa" ou "pela própria natureza do fato". No contexto jurídico, esse termo é utilizado para indicar situações em que a própria ocorrência do fato já comprova a existência de um direito, de um dano ou de uma consequência jurídica, sem a necessidade de prova adicional.

O uso de in re ipsa é bastante comum em casos de responsabilidade civil, principalmente quando se discute a necessidade (ou não) de provar a existência de um dano. Em algumas situações, a simples ocorrência de um ato ilícito ou uma conduta lesiva presume o dano automaticamente, dispensando a parte prejudicada de produzir prova específica.

📌Exemplo prático: Um exemplo clássico está nas ações por dano moral decorrente de inscrição indevida em cadastros de inadimplentes. Nesses casos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o abalo moral decorre in re ipsa. Ou seja, o próprio ato de inserir indevidamente o nome do consumidor em cadastro restritivo gera presunção de dano, tornando desnecessária a comprovação de sofrimento ou constrangimento.

O reconhecimento do dano in re ipsa tem um papel relevante na economia processual e na proteção de direitos fundamentais, pois facilita a defesa dos direitos das partes, dispensando a comprovação de situações que já são presumidos pelo próprio ordenamento jurídico.

Atualidades

Devedor não precisa morar no imóvel para que ele tenha proteção de bem de família

Imagem: Freepik

O instituto da impenhorabilidade do bem de família, previsto na Lei nº 8.009/1990, é uma das garantias fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, protegendo o imóvel residencial da entidade familiar contra a execução de dívidas. No entanto, sua aplicação pode gerar debates, especialmente em casos em que o imóvel está envolvido em atos tidos como fraudulentos.

Em recente julgamento, no Recurso Especial 2.142.338/SP, a Terceira Turma do STJ enfrentou essa complexa questão: a alienação fraudulenta de um imóvel pode afastar a proteção do bem de família?

O processo teve início com uma ação de cobrança, que resultou em decisão favorável ao credor, já transitada em julgado. No curso da execução, o devedor foi incluído no polo passivo e, posteriormente, identificado como responsável por alienar um imóvel a terceiros, em um contexto que levou ao reconhecimento de fraude à execução.

O imóvel transferido estava sob usufruto vitalício dos beneficiários da doação, que passaram a residir no local. Diante da tentativa de penhora, os atuais moradores ingressaram com embargos de terceiro, alegando que o bem era utilizado como moradia e, portanto, deveria ser protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/1990.

O STJ confirmou a aplicação da impenhorabilidade do bem de família, mesmo diante da constatação de fraude à execução. A Corte baseou sua decisão em três fundamentos principais:

  1. A função social do imóvel como residência: não é necessário que o devedor resida no imóvel para que ele seja protegido. Basta que o bem seja utilizado como moradia habitual por membros da família, o que justifica a aplicação da impenhorabilidade.

  2. Preservação da impenhorabilidade diante da fraude: a fraude à execução torna o ato de alienação ineficaz em relação ao exequente, permitindo a anulação da transferência. No entanto, essa ineficácia não retira a proteção do imóvel como bem de família, desde que o imóvel já estivesse destinado à moradia antes da alienação.

  3. Resguardo do direito à moradia: a proteção da residência familiar, garantida pela Constituição Federal, permanece válida mesmo em situações em que se verifica tentativa de fraude à execução. A moradia, como direito fundamental, não pode ser violada pelo simples fato de o imóvel ter sido objeto de alienação fraudulenta.

O recurso especial foi parcialmente provido, apenas para afastar a multa aplicada por embargos de declaração considerados protelatórios. No entanto, a impenhorabilidade do imóvel foi mantida, preservando a proteção garantida pela legislação.

Essa decisão reforça o entendimento de que a fraude à execução, embora seja um mecanismo ilícito que compromete o cumprimento das decisões judiciais, não afasta automaticamente a proteção do bem de família, desde que o imóvel continue exercendo sua função social de moradia.

Análise crítica: embora a decisão do STJ esteja alinhada com a proteção constitucional do direito à moradia, ela também levanta uma preocupação relevante no âmbito da efetividade das execuções. Ao manter a impenhorabilidade do bem de família mesmo diante da constatação de uma fraude à execução, o entendimento pode, inadvertidamente, criar um incentivo à perpetuação de condutas fraudulentas.

A decisão também suscita um debate importante sobre o conflito entre a proteção dos direitos fundamentais e a efetividade jurisdicional. Se, por um lado, o direito à moradia é um pilar constitucional inegociável, por outro, permitir que a fraude seja protegida por essa mesma norma pode comprometer a função coercitiva da execução e enfraquecer a confiança no sistema judicial.

InovAção

Perplexity: ferramenta de IA com potencial para a pesquisa jurídica

A expansão do uso da inteligência artificial em diversas áreas trouxe novas possibilidades para a realização de pesquisas avançadas. Entre as ferramentas que têm sido desenvolvidas nesse contexto, destaca-se a Perplexity, uma IA que recentemente incorporou a funcionalidade denominada Deep Research (pesquisa profunda).

Essa funcionalidade foi projetada para realizar pesquisas de maneira mais aprofundada, oferecendo respostas detalhadas e organizadas a partir de diversas fontes disponíveis na internet. Embora não seja uma plataforma voltada especificamente para o campo jurídico, seu formato pode ser aplicado a pesquisas que demandem uma análise inicial mais ampla, inclusive no contexto jurídico.

O Deep Research tem como objetivo estruturar informações de maneira mais completa e contextualizada em comparação a pesquisas rápidas ou superficiais. A ferramenta realiza uma varredura em múltiplas fontes e organiza as informações de maneira a apresentar um panorama abrangente sobre o tema pesquisado.

Embora não tenha sido criada com foco no Direito, essa funcionalidade pode ser utilizada em atividades como a pesquisa jurisprudencial preliminar. Seu principal diferencial está na capacidade de consolidar informações de forma rápida, o que pode ser útil em momentos em que se busca:

  • Levantar decisões judiciais de maneira inicial, antes de uma análise mais aprofundada em bases especializadas.

  • Consultar entendimentos gerais sobre determinados temas jurídicos.

  • Analisar tendências e discussões em torno de questões jurídicas relevantes em fontes abertas.

No entanto, como não se trata de uma ferramenta jurídica específica, seu uso em pesquisas processuais ou doutrinárias exige cautela. A verificação das fontes e a adequação das informações ao ordenamento jurídico brasileiro continuam sendo indispensáveis.

Chegamos ao fim de mais uma edição da Jus Civile! Se este conteúdo agregou ao seu conhecimento, não guarde só para você: compartilhe a newsletter com seus colegas e fortaleça essa rede de aprendizado. Aguardamos você na próxima semana para mais reflexões e atualizações jurídicas! ⚖️🔗