Jus Civile #30

Depois da folia, dos blocos e do merecido descanso, é hora de voltar ao ritmo! Na 30ª edição da Jus Civile, ajudamos você nessa retomada com temas relevantes para a sua prática jurídica. Pegue seu café e siga a leitura – dizem que o ano no Brasil só começa depois do Carnaval. Então, vamos começar? ☕📜

Institutos

Nunciação de obra nova

A construção de um imóvel pode afetar direta ou indiretamente propriedades vizinhas, comprometendo sua finalidade, acesso, padrão arquitetônico ou urbanístico. Nessas situações, o ordenamento jurídico prevê a ação de nunciação de obra nova, instrumento pelo qual o prejudicado pode requerer o embargo da construção e, se necessário, sua demolição.

O CPC/1973 disciplinava essa ação em um procedimento especial para a nunciação de obra nova, mas o CPC/2015 deixou de prever regramento especial, determinando que ela seja manejada pelo procedimento comum. No entanto, sua utilização permanece plenamente válida, tendo como fundamento os Arts. 1.299 a 1.313 do Código Civil, que regulam os limites das construções e o direito de vizinhança.

A ação de nunciação de obra nova pode ser proposta enquanto a construção estiver em andamento, desde que haja fundado receio de prejuízo ao autor da demanda. Esse prejuízo pode estar relacionado a diversos fatores, tais como:

  • Dano à finalidade do bem: construções que interferem no uso adequado do imóvel, como a edificação de um prédio ao lado de uma área destinada à preservação ambiental.

  • Acessibilidade e servidão: obras que bloqueiam acessos garantidos por servidão de passagem, dificultando a circulação de pessoas e veículos.

  • Padrão condominial e urbanístico: construções que desrespeitam regras condominiais ou normas locais de urbanismo, comprometendo o valor imobiliário de determinada região.

  • Ofensa ao padrão arquitetônico: edificações que desrespeitam normas municipais de preservação histórica ou regras de loteamento que impõem um padrão estético específico.

O objetivo da ação é interromper a obra antes que o dano se concretize, a fim de que a parte prejudicada não tenha de recorrer a medidas mais drásticas no futuro, como ações demolitórias ou indenizatórias.

📌 Como Funciona o Procedimento? A ação segue o procedimento comum do CPC/2015, sendo possível formular pedido de tutela de urgência para embargar a obra de imediato. Caso o juiz entenda presentes os requisitos legais para a concessão da medida, poderá determinar a suspensão da construção até o julgamento definitivo da ação.

Se a obra já estiver concluída, a ação de nunciação de obra nova perde sua utilidade, sendo necessário recorrer a outras medidas, como a ação demolitória ou a ação indenizatória, conforme a situação concreta.

Esse instituto continua sendo um mecanismo interessante de proteção patrimonial, permitindo que o direito de propriedade e os limites urbanísticos sejam resguardados. Seu caráter preventivo é um diferencial relevante, pois evita que o prejuízo se consolide ao buscar uma solução jurídica mais eficiente para litígios decorrentes de obras prejudiciais.

Latim jurídico

Cláusula constituti

A cláusula constituti é um mecanismo pelo qual o possuidor de um bem transfere sua posse para outra pessoa, mas continua fisicamente com o bem, agora na condição de mero detentor. Isso significa que ele deixa de possuir em nome próprio e passa a manter o bem sob a posse jurídica do adquirente, em razão de um vínculo jurídico que justifica sua permanência.

Esse instituto é aplicado quando há necessidade de transmissão da posse sem alteração imediata da detenção do bem, sendo frequentemente utilizado em contratos que preveem a permanência temporária do antigo possuidor. Sua base legal encontra-se nos Arts. 1.196 a 1.220 do Código Civil, que diferenciam a posse direta, exercida por quem detém fisicamente o bem, da posse indireta, exercida por quem adquiriu a posse, mas não ocupa diretamente o bem.

📌 Exemplo Prático é a venda com permanência do antigo possuidor no imóvel: Um indivíduo vende seu apartamento, mas, em vez de desocupá-lo imediatamente, firma um contrato de compra e venda contendo a cláusula constituti, prevendo que ele continuará no imóvel como locatário por um período determinado. Dessa forma, ele deixa de exercer a posse em nome próprio e passa a deter o imóvel como mero inquilino, reconhecendo que a posse pertence ao comprador. Embora fisicamente continue no bem, juridicamente a posse foi transmitida.

Atualidades

Médico responsável por resultado desarmonioso em cirurgia plástica tem o dever de indenizar, decide STJ

Imagem: Freepik

A responsabilidade do cirurgião plástico em procedimentos estéticos é tema recorrente no Judiciário, especialmente em casos onde o resultado final não atende à expectativa do paciente. Em recente julgamento do Recurso Especial nº 2.173.636/MT, o STJ reafirmou que, na cirurgia plástica estética não reparadora, o profissional assume uma obrigação de resultado, o que significa que a mera adoção das técnicas corretas não basta para afastar sua responsabilidade caso o efeito esperado não seja alcançado.

No processo, uma paciente moveu ação indenizatória contra um cirurgião plástico, alegando que, após realizar uma mamoplastia, o resultado estético foi insatisfatório, deixando as mamas assimétricas e flácidas, sem qualquer melhora perceptível. O médico, por sua vez, argumentou que seguiu todas as técnicas recomendadas e que não poderia ser responsabilizado apenas porque a paciente não ficou satisfeita com o desfecho.

O Tribunal de origem condenou o cirurgião, e o caso chegou ao STJ por meio de recurso do médico. Ao analisar o caso, o STJ manteve a condenação do cirurgião, reforçando que, em cirurgias plásticas estéticas, há obrigação de resultado, ou seja, o profissional não deve apenas aplicar a técnica correta, mas também garantir um desfecho satisfatório para o paciente. O Tribunal destacou que a responsabilidade do médico é subjetiva, mas há presunção de culpa quando o resultado final não atinge o que seria normalmente esperado. Assim, cabe ao cirurgião demonstrar que o insucesso decorreu de fatores externos imprevisíveis e não de falha profissional. No caso concreto, a Corte considerou que o procedimento realizado gerou um resultado estético desarmonioso, o que caracterizou o descumprimento da obrigação assumida, levando à condenação por danos materiais e morais.

📌 Implicações da decisão: esse julgamento reforça o entendimento consolidado pelo STJ de que, em cirurgias plásticas puramente estéticas, o paciente não busca apenas o serviço médico, mas sim um resultado específico. Diferente de outros procedimentos cirúrgicos, nos quais o profissional tem apenas a obrigação de empregar os meios adequados, na cirurgia estética o compromisso envolve o sucesso final da intervenção. A decisão é um alerta aos profissionais da área médica sobre a necessidade de uma avaliação detalhada do paciente, da sua estrutura corporal e das limitações do procedimento antes da realização da cirurgia, além de uma comunicação clara sobre os riscos e expectativas realistas.

InovAção

PjeIA: integração da inteligência artificial ao processo judicial eletrônico

O uso de inteligência artificial no Direito tem se expandido rapidamente, e novas ferramentas surgem para otimizar o dia a dia dos advogados. Uma dessas inovações é o PJeIA, uma extensão do Google Chrome desenvolvida pelo mercado que promete facilitar a navegação e interação no ambiente do Processo Judicial Eletrônico (PJe).

Diferente de soluções implementadas diretamente pelo Judiciário, o PJeIA não é um sistema oficial dos tribunais, mas sim um serviço externo que atua dentro do PJe via navegador. Seu principal diferencial é a utilização de inteligência artificial para interagir com o conteúdo processual, permitindo que usuários façam perguntas e recebam respostas sobre o inteiro teor dos autos. A promessa é que a ferramenta facilite a pesquisa dentro do processo, agilizando a localização de informações relevantes.

Atualmente, o PJeIA está em versão beta, com testes gratuitos para novos usuários.

📌 Primeiras Impressões: a Jus Civile testou a ferramenta, mas os resultados iniciais ficaram abaixo das expectativas. Em diversas tentativas de interação, a plataforma apresentou mensagens de erro, impossibilitando o uso prático da funcionalidade proposta. Como a tecnologia ainda está em fase inicial, é possível que essas instabilidades sejam corrigidas futuramente. Apesar dessas limitações, o conceito da ferramenta é interessante e pode representar um avanço na otimização da pesquisa processual, desde que a tecnologia seja aprimorada e entregue respostas confiáveis e ágeis.

A chegada de extensões como o PJeIA evidencia o crescente interesse em soluções de inteligência artificial aplicadas ao Direito, com o potencial de reduzir o tempo gasto na análise processual e melhorar a eficiência dos advogados. No entanto, a confiabilidade dessas ferramentas ainda precisa ser testada na prática, e a adesão do mercado dependerá da usabilidade real e da precisão dos resultados.

Seguiremos acompanhando o desenvolvimento dessa tecnologia para avaliar sua evolução e impacto na rotina forense. Se aprimorada, pode se tornar uma ferramenta útil no cotidiano dos profissionais do Direito.

O Direito está em constante evolução, e seguir atualizado faz toda a diferença. Que esta edição da Jus Civile tenha trazido insights valiosos para sua prática. Se gostou, compartilhe a newsletter! O conhecimento cresce quando é dividido. Até a próxima! ⚖️