- Jus Civile
- Posts
- Jus Civile #69
Jus Civile #69

O ano vai chegando ao fim, mas o enredo ainda está em andamento. Entre o que foi feito e o que ainda dá para fazer, há um mês inteiro de possibilidades. Pegue seu café e venha conosco em mais uma edição da Jus Civile! 🦉☕
Institutos
Ato jurídico em sentido estrito
Na teoria geral do Direito Civil, os fatos jurídicos são classificados conforme o papel que a vontade humana desempenha na produção de seus efeitos. Nesse cenário, o ato jurídico em sentido estrito ocupa uma posição intermediária entre o negócio jurídico e o mero fato jurídico humano: trata-se de um comportamento voluntário, lícito e consciente, mas cujos efeitos não são moldados pela vontade do agente, e sim predeterminados pela lei.
A distinção é fundamental. No negócio jurídico — como contratos, testamentos ou procurações — a vontade não apenas desencadeia efeitos, mas determina o conteúdo desses efeitos, dentro dos limites legais. Já no ato jurídico em sentido estrito, a vontade limita-se a praticar o ato; os efeitos são impostos pelo ordenamento, independentemente do propósito individual.
Exemplos clássicos de ato jurídico em sentido estrito incluem:
Reconhecimento de filho, em que os efeitos (filiação, alimentos, herança) são legalmente fixados;
Notificação, que gera ciência formal e permite a constituição em mora;
Constituição em mora pelo credor, mediante interpelação;
Aceitação ou renúncia de herança, cujos efeitos também são regulados pela lei;
Protesto cambial, que opera efeitos legais automáticos sobre a cobrança do título.
Em todos esses casos, o sujeito realiza o ato de forma voluntária — reconhece, notifica, protesta, aceita — mas não escolhe os efeitos jurídicos daí derivados. Eles fluem por determinação normativa, e não por autonomia privada.
A importância do ato jurídico em sentido estrito reside justamente na separação entre vontade e efeitos, um ponto essencial para compreender os limites da autonomia privada. Ele revela que, embora o Direito Civil valorize a liberdade negocial, há espaços em que a lei mantém controle rigoroso sobre as consequências, especialmente quando envolvem status, ordem pública, direitos indisponíveis ou segurança jurídica.
Do ponto de vista dogmático, o ato jurídico em sentido estrito ocupa papel decisivo na teoria da validade e da eficácia, porque, sendo os seus efeitos definidos exclusivamente pela lei, não há espaço para interpretação ampliativa da vontade nem para qualquer modulação privada. Essa característica repercute diretamente na possibilidade — ou não — de arrependimento, na análise de eventuais vícios de vontade, na impossibilidade de extinção ou modificação unilateral dos efeitos e, ainda, na forma legal exigida para a prática do ato, já que a autonomia do agente se limita ao momento da declaração, enquanto todo o regime jurídico subsequente decorre imperativamente do ordenamento.
O instituto também influencia a teoria da responsabilidade civil. Se a lei define efeitos jurídicos específicos — como no protesto ou na constituição em mora —, o descumprimento das formas previstas gera consequências automáticas, mitiga debates sobre intenção e reforça o princípio da segurança jurídica.
Por fim, a distinção é central no ensino dogmático: compreender o que é ato jurídico em sentido estrito permite compreender, por exclusão, o que é negócio jurídico. Em um sistema que valoriza a autonomia, o ato jurídico em sentido estrito é o lembrete de que a vontade não reina sozinha — ela opera dentro de um quadro legal pré-determinado, que em muitos casos prevalece sobre o propósito individual.
Latim jurídico
Pacta corvina
A expressão pacta corvina — literalmente, “pactos de corvo” — tem origem em uma antiga fábula romana, segundo a qual os corvos esperavam a morte de animais feridos para se alimentarem de seus restos. No Direito, a máxima passou a designar os pactos sucessórios celebrados sobre a herança de pessoa viva, tidos como ilícitos por afrontarem a moral e a segurança das relações familiares.
O ordenamento jurídico brasileiro, fiel a essa tradição, proíbe expressamente tais convenções. O Art. 426 do Código Civil dispõe que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. A vedação tem como fundamento o respeito à dignidade e à autonomia do disponente, impedindo que terceiros especulem sobre sua morte ou disputem antecipadamente bens ainda sob sua propriedade.
📌 Exemplo prático: dois irmãos firmam contrato prevendo que, quando o pai falecer, um deles ficará com o sítio e o outro com o apartamento da família, comprometendo-se a não questionar a divisão. O pacto, embora aparentemente consensual, é nulo de pleno direito, por configurar pacta corvina — negócio que presume a morte como condição e antecipa efeitos sucessórios indevidos. Qualquer partilha só terá validade post mortem, por testamento ou sucessão legítima.
Atualidades
STJ define que pedidos de suprimento de autorização para viagem internacional de crianças devem ser julgados pelo Juizado da Infância e Juventude

Imagem: criação Jus Civile
A Terceira Turma do STJ fixou importante precedente sobre a competência para análise de pedidos de suprimento judicial de autorização paterna ou materna para expedição de passaporte ou realização de viagem internacional por crianças e adolescentes. No REsp 2.062.293/DF, o Tribunal decidiu que tais pedidos devem ser processados e julgados pelo Juizado da Infância e Juventude, independentemente de existir situação de risco nos moldes do Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Ministério Público do DF sustentava que, ausente situação de risco, a controvérsia deveria ser decidida pelas varas de Família. O Tribunal de origem discordou, e o STJ confirmou essa orientação, reafirmando a centralidade do princípio do melhor interesse da criança na definição da competência da Justiça especializada.
A Turma analisou o Art. 148, parágrafo único, “d”, do ECA, que expressamente inclui, na competência do Juizado da Infância e Juventude, o suprimento judicial em casos de discordância paterna ou materna.
O voto condutor destacou que:
O pedido de suprimento não se confunde com litígios de guarda, visitas ou alimentos, típicos das varas de Família;
Trata-se de uma medida protetiva pontual, vinculada à tutela imediata dos direitos fundamentais do menor;
A atuação do Juizado da Infância e Juventude independe da demonstração de risco grave — basta que o tema envolva proteção integral e melhor interesse do menor;
A existência de Juizados instalados em aeroportos ilustra a política institucional de dar celeridade absoluta às questões de saída do país por crianças e adolescentes.
Nas palavras do relator, o foco da análise não está na natureza da lide entre os genitores, mas no impacto da medida para a criança. O precedente tem valor expressivo na prática forense, pois uniformiza a competência nacional, evitando discussões entre varas cíveis, de família e da infância e confere celeridade à expedição de autorizações necessárias para viagens internacionais. Também facilita a vida de advogados e responsáveis legais, que passam a ter um critério claro: pedidos de suprimento de autorização para viagem devem sempre ser direcionados ao Juizado da Infância e Juventude.
A decisão privilegia corretamente o melhor interesse da criança, mas reabre um debate importante: até que ponto a competência da Infância deve se expandir para temas que tangenciam conflitos familiares? Embora o fundamento protetivo seja robusto, a ampliação amplia também a margem de discricionariedade judicial e pode gerar sobrecarga nos Juizados da Infância, já saturados com demandas estruturais.
Ainda assim, o STJ opta pela via da eficiência protetiva, priorizando a agilidade e a segurança jurídica em situações que exigem resposta rápida — sobretudo considerando que a negativa ou demora pode inviabilizar viagens planejadas, tratamentos médicos, oportunidades educacionais ou visitas internacionais.
InovAção
Proton Mail: privacidade como design
A transição do trabalho jurídico para o ambiente digital expôs um ponto sensível da advocacia contemporânea: a fragilidade do e-mail tradicional. Plataformas amplamente utilizadas — Gmail, Outlook, iCloud — oferecem conveniência, mas não foram concebidas para suportar o nível de confidencialidade e risco inerente à comunicação entre advogado e cliente. Nesse contexto, ganha relevância uma solução que, embora conhecida há anos, volta ao centro do debate com força renovada: o Proton Mail.
Sediado na Suíça — jurisdição reconhecida por sua legislação rígida de proteção de dados — o Proton Mail foi construído desde o início com uma premissa clara: a privacidade não é um recurso; é o próprio produto. Isso o diferencia de forma contundente de provedores tradicionais, baseados em modelos de negócios dependentes de coleta de dados, personalização comportamental e integração com ecossistemas comerciais.
O Proton Mail opera com criptografia de ponta a ponta, o que significa que apenas remetente e destinatário conseguem acessar o conteúdo da mensagem. Nem o servidor, nem a empresa, nem terceiros — incluindo governos estrangeiros ou plataformas parceiras — têm acesso ao conteúdo. Para o advogado, essa arquitetura elimina uma das maiores vulnerabilidades da comunicação digital: o risco de interceptação ou acesso indevido por agentes externos ao processo.
A ferramenta também oferece recursos úteis para ambientes jurídicos sensíveis, como:
E-mails com expiração automática, ideais para mensagens estratégicas que não devem permanecer arquivadas por longos períodos;
Proteção por senha para mensagens enviadas a destinatários externos, evitando que clientes ou partes vulneráveis precisem utilizar e-mails convencionais desprotegidos;
Endereços anônimos e aliases, úteis para advogados que atuam em casos de alto risco, investigações internas ou temas que envolvam exposição pública;
Envio de mensagens sem metadados rastreáveis, o que reduz significativamente a superfície de ataque.
A usabilidade também merece nota. O Proton Mail amadureceu muito e hoje integra calendário, drive e até VPN própria, criando um ecossistema voltado a quem precisa de sigilo e coerência operacional. A interface é leve, o aplicativo é estável e o uso diário é intuitivo — características essenciais para uma ferramenta que precisa se encaixar na rotina jurídica sem atrito.
Ainda assim, a adoção do Proton Mail exige mudança cultural. A ausência de rastreamento, integração limitada com grandes plataformas e a filosofia de isolamento de dados podem gerar incômodo em equipes acostumadas à hiperconveniência dos sistemas tradicionais. Além disso, há casos em que o e-mail corporativo do cliente exige compatibilidade com padrões internos — o que às vezes limita o uso exclusivo do Proton como canal oficial.
Mas, na essência, o Proton Mail não compete com provedores tradicionais; ele ocupa outra categoria. É uma ferramenta para advogados, escritórios e departamentos jurídicos que tratam a privacidade não como benefício adicional, mas como parte da própria ética profissional. Em um cenário de crescente vigilância digital, vulnerabilidades de e-mail e escândalos de vazamento, adotar o Proton Mail é, antes de tudo, uma forma de reafirmar a centralidade do sigilo no exercício da advocacia.
Se esta edição contribuiu para o seu conhecimento de alguma forma — seja provocando, esclarecendo ou abrindo novas possibilidades — compartilhe a newsletter com alguém que também gosta de pensar o Direito além da superfície. É assim que mantemos o projeto vivo. 🦉📚
Reply