Jus Civile #65

Equilíbrio não é neutralidade — é lucidez. No Direito, como na vida, escolher com clareza é melhor que agir por impulso. Pegue seu café e venha refletir conosco. 🦉

Institutos

Condomínio edilício

O condomínio edilício é uma das formas mais expressivas da convivência jurídica moderna. Regido pelos Arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil, ele surge da necessidade de conciliar o direito de propriedade individual com a coabitação coletiva em edificações. Em termos simples, é a estrutura jurídica que permite que diversas pessoas sejam proprietárias exclusivas de unidades autônomas — como apartamentos, salas comerciais ou casas em condomínios horizontais —, ao mesmo tempo em que compartilham a copropriedade sobre áreas e bens comuns.

O Código Civil define o condomínio edilício como aquele em que há partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. Essa dualidade é sua essência: o condomínio é uno em estrutura, mas múltiplo em titularidades, impondo a cada condômino o dever de respeitar os direitos dos demais e contribuir para a conservação do todo.

Cada unidade autônoma é registrada como propriedade exclusiva, com matrícula própria no registro de imóveis (Art. 1.332, I), e pode ser livremente alienada ou gravada, desde que respeitadas as normas internas e as restrições convencionais. Já as partes comuns — como o telhado, escadas, elevadores, corredores, áreas de lazer ou o próprio terreno — pertencem a todos os condôminos, em fração ideal inseparável da unidade.

O funcionamento do condomínio é regido por dois instrumentos centrais: a convenção condominial, que estabelece regras de administração, uso das partes comuns, quotas de rateio e penalidades; e o regimento interno, que disciplina a convivência prática, assegurando a harmonia e a segurança coletiva. Ambos devem respeitar os limites da função social da propriedade e o princípio da boa-fé objetiva nas relações entre vizinhos.

A administração do condomínio é exercida por um síndico, eleito pela assembleia, com poderes de representação ativa e passiva, inclusive para defesa judicial dos interesses comuns. Há ainda o conselho fiscal, com função consultiva, e a assembleia geral, órgão máximo de deliberação coletiva, que decide por maioria ou por quóruns qualificados conforme o tema.

O condomínio edilício também se destaca pela intensa judicialização. São frequentes as ações relacionadas a cobrança de cotas condominiais (que têm natureza propter rem e seguem o imóvel), impugnações de assembleias, abusos de síndicos e conflitos de uso das áreas comuns. Nessas situações, o Poder Judiciário tem reiterado que o condomínio não é um conjunto de vontades isoladas, mas uma comunidade de interesses organizada sob o império da lei e da convivência responsável.

A jurisprudência do STJ reforça esse entendimento, reconhecendo que a convenção condominial tem força normativa interna, mas não pode violar direitos fundamentais, como o direito de propriedade, a dignidade da pessoa humana ou a razoabilidade das restrições impostas. O equilíbrio entre as regras privadas e os princípios constitucionais é o que garante a legitimidade do condomínio como microcosmo jurídico autônomo.

Compreender o instituto é essencial não apenas para advogados que atuam em Direito Imobiliário, mas também para todos os que lidam com as complexas relações de propriedade e vizinhança.

Latim jurídico

Quieta non movere

A máxima quieta non movere significa literalmente “não mover o que está quieto”, e traduz o princípio de que situações jurídicas estáveis e pacificadas não devem ser alteradas sem motivo justo. O fundamento da expressão está na busca pela segurança jurídica e pela previsibilidade das relações sociais, valores essenciais à ordem jurídica e à paz social.

A ideia subjacente é a de que o Direito não deve estimular a instabilidade — seja pela revisão constante de entendimentos jurisprudenciais, seja pela rediscussão de relações já consolidadas. Por isso, a máxima é frequentemente invocada em defesa da coisa julgada, da preservação de precedentes e da vedação ao retrocesso jurídico.

📌 Exemplo prático: um tribunal superior, após anos de jurisprudência consolidada sobre determinado tema contratual, decide alterar abruptamente seu entendimento, afetando contratos já firmados sob a orientação anterior. Essa mudança pode violar o princípio quieta non movere, pois desestabiliza expectativas legítimas e compromete a confiança na estabilidade do Direito. Daí a importância da modulação dos efeitos das decisões judiciais e da aplicação coerente dos precedentes.

Atualidades

STJ: parte pode impugnar valor da causa nas contrarrazões quando só ingressa no processo em grau recursal

A Terceira Turma do STJ decidiu que é possível impugnar o valor da causa nas contrarrazões de apelação, quando a parte somente passa a integrar o processo em segundo grau de jurisdição, não tendo tido oportunidade de fazê-lo em primeiro grau. O entendimento foi fixado no REsp 2.113.605/CE, de relatoria do Ministro Moura Ribeiro.

O caso envolveu ação anulatória de testamento, ajuizada no Ceará, extinta liminarmente por decadência. A parte demandada não havia sido citada na origem, sendo intimada apenas em grau recursal para apresentar contrarrazões à apelação da parte autora. Ao fazê-lo, impugnou o valor da causa, por considerá-lo irrisório diante do patrimônio discutido — R$ 1.000,00 atribuídos a uma herança de valor muito superior.

O Tribunal de Justiça cearense, contudo, rejeitou o pedido, sob o fundamento de que a impugnação deveria ter sido feita por meio de recurso adesivo, e não nas contrarrazões.

O STJ reformou o acórdão, reconhecendo que não há preclusão quando a parte não teve oportunidade anterior de impugnar o valor da causa. Segundo o relator, o Art. 293 do CPC permite que o juiz corrija o valor da causa de ofício até a sentença, e o Art. 292, §3º reforça o caráter de ordem pública da matéria, pois o valor da causa influencia a competência, as custas processuais e o cálculo dos honorários.

Nas palavras do Ministro Moura Ribeiro: “se a parte não teve oportunidade de impugnar o valor da causa em primeiro grau, viável que o incidente seja manejado em contrarrazões à apelação.”

O acórdão enfatiza que o recurso adesivo pressupõe sucumbência recíproca, o que não se verificava no caso, razão pela qual não se poderia exigir da recorrente a interposição desse tipo de recurso.

O precedente tem efeitos práticos relevantes no âmbito processual civil. Ele:

  • Refina o conceito de preclusão, afastando-a quando há efetiva ausência de oportunidade de defesa;

  • Reforça o caráter público e funcional do valor da causa, que deve refletir o proveito econômico da demanda;

  • E reconhece que as contrarrazões podem ter função ampla de defesa, equivalendo à contestação quando se trata do primeiro momento de manifestação da parte no processo.

Com a decisão, o STJ determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que o TJCE analise o pedido de impugnação ao valor da causa e decida o ponto conforme o direito.

A decisão valoriza o devido processo legal substancial, equilibrando técnica processual e acesso à justiça. Ao admitir a impugnação do valor da causa nas contrarrazões, o STJ privilegia a efetividade do contraditório e evita formalismos que poderiam tolher o direito de defesa. Contudo, o entendimento também impõe aos tribunais o desafio de identificar, caso a caso, quando de fato não houve oportunidade anterior de impugnação, evitando que a exceção se transforme em regra.

InovAção

ChatGPT agora agenda suas tarefas: o próximo passo da advocacia digital

Imagem: criação Jus Civile

Pouco comentada, mas extremamente significativa, a nova funcionalidade de lembretes e agendamento de tarefas no ChatGPT marca mais um avanço na integração entre inteligência artificial e rotina jurídica. O recurso, lançado oficialmente em outubro de 2025, transforma o modelo em algo que vai além da simples geração de textos: ele passa a gerenciar o tempo e as obrigações do usuário, tornando-se um assistente jurídico completo.

Na prática, o advogado pode solicitar ao ChatGPT que crie tarefas específicas e defina horários para execução, como: “ChatGPT, me lembre de protocolar a contestação do processo 5030 na próxima terça às 10h.”

A ferramenta não apenas registra o lembrete, mas mantém o contexto da conversa anterior — ou seja, lembra qual processo está sendo mencionado, qual documento foi analisado e em que fase o caso se encontra. Isso representa uma evolução em relação a aplicativos de agenda convencionais, que apenas armazenam eventos sem compreender o significado jurídico do que está sendo lembrado.

Segundo a OpenAI, a função já está disponível para usuários dos planos Plus, Team e Enterprise, e integra-se com plataformas externas como Google Calendar e Outlook. Dessa forma, os lembretes criados no ChatGPT podem aparecer diretamente na agenda utilizada pelo escritório. A interação ocorre em linguagem natural, dispensando menus ou interfaces complexas: basta conversar com o assistente, como se estivesse orientando um estagiário.

A novidade é especialmente relevante porque responde a uma dor antiga da advocacia: o tempo gasto com tarefas administrativas. Um levantamento da Thomson Reuters (2023) apontou que advogados dedicam, em média, 2,5 horas diárias a atividades de organização e controle de prazos. O novo recurso ataca diretamente esse gargalo, permitindo que a IA assuma parte da carga operacional — de lembretes de audiência a revisões de contratos e reuniões de equipe.

Mais do que automatizar tarefas, o ChatGPT agora oferece inteligência contextual. Ele entende não apenas quando algo precisa ser feito, mas por que. Pode, por exemplo, associar um lembrete à análise de um contrato realizada dias antes ou sugerir um acompanhamento processual recorrente baseado em conversas anteriores.

Ainda assim, é preciso cautela. A gestão de prazos processuais envolve responsabilidade direta do advogado, e a ferramenta deve ser vista como apoio, não substituto. Além disso, recomenda-se evitar o uso de dados sensíveis (como nomes de partes ou números de processos sigilosos) nos comandos de lembrete, preservando a confidencialidade.

A advocacia caminha, portanto, para um novo estágio de automação inteligente. O ChatGPT deixa de ser apenas um “gerador de texto” e passa a atuar como assistente jurídico digital, capaz de planejar, registrar e acompanhar atividades com compreensão de contexto.

A revolução tecnológica no Direito raramente acontece em grandes saltos — ela se constrói em funcionalidades discretas, mas transformadoras. Os lembretes e agendamentos do ChatGPT são exatamente isso: uma inovação silenciosa que, somada ao uso ético e estratégico da IA, redefine o modo como advogados organizam o seu tempo e exercem sua profissão.

Encerramos mais uma edição com o desejo de que ela te provoque bons debates — dentro e fora dos autos. Se gostou, compartilhe a newsletter! Essa troca é o combustível que mantém o projeto em voo. 🦉📚

Reply

or to participate.