Jus Civile #62

Não é o palco que faz um artista, mas, sim, o ensaio. Valorize o que ninguém vê, porque é longe dos holofotes que nascem as conquistas que realmente importam. Boa leitura! 🦉

Institutos

Posse nova e posse velha

Nas ações possessórias, o tempo não serve apenas para contar prazos ou configurar usucapião — ele também define a intensidade da tutela jurisdicional concedida ao possuidor. A distinção entre posse nova e posse velha, tradicional no direito processual, determina o rito aplicável e a possibilidade (ou não) de concessão liminar.

De acordo com a tradição doutrinária e com o CPC, considera-se posse nova aquela ofendida há menos de ano e dia. Passado esse período, a posse é tida como velha. Essa contagem se dá a partir do ato de turbação ou esbulho, e não da data de aquisição da posse.

🔹 A posse nova confere ao possuidor o direito à proteção liminar imediata; a posse velha exige dilação probatória antes da reintegração.

Nos termos do Art. 562 do CPC, o juiz pode conceder liminar de manutenção ou reintegração de posse antes da oitiva do réu, desde que o autor comprove:

  • A sua posse;

  • A turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

  • A data do ato ofensivo; e

  • A perda ou ameaça de perda da posse.

Essa tutela liminar, contudo, só é cabível na posse nova — ou seja, quando o esbulho ou a turbação ocorreram há menos de ano e dia. Se o possuidor busca proteção após esse prazo, a ação ainda é possível, mas o processo seguirá rito ordinário, com contraditório prévio e instrução probatória.

🔹 A diferença, portanto, não está no direito à posse — mas na urgência e na forma de protegê-la.

A posse velha demanda maior cautela judicial, pois a situação fática já se consolidou com o tempo. Nesses casos, o juiz não pode determinar liminar de reintegração antes de ouvir o réu, devendo instaurar audiência de justificação e avaliar as provas com maior profundidade.

A distinção remonta ao direito romano e foi preservada pela tradição processual brasileira justamente por equilibrar celeridade e estabilidade:

  • Protege com vigor a posse recente, cuja ruptura ainda é reversível;

  • Impõe prudência quando o tempo consolidou o estado de fato.

A relevância prática é evidente em litígios fundiários, ocupações urbanas e conflitos agrários. O advogado deve indicar com precisão a data do esbulho ou turbação e juntar documentos (notificações, boletins de ocorrência, fotografias, laudos) que comprovem a recente ofensa à posse — requisito essencial para o deferimento liminar.

Em suma, a distinção entre posse nova e posse velha não altera o direito material do possuidor, mas condiciona a forma e a intensidade da proteção processual. Aquele que age com presteza tem a seu favor o amparo imediato da lei; quem demora, ainda pode ter razão, mas precisará prová-la com paciência e prova robusta.

Latim jurídico

Animus contrahendi

A expressão animus contrahendi — literalmente, “intenção de contratar” — representa o elemento volitivo indispensável à formação de um vínculo contratual. No Direito Civil, um contrato não se perfaz apenas com a troca de propostas ou manifestações de interesse, mas exige que as partes tenham vontade real e consciente de se obrigar juridicamente.

O animus contrahendi é o que diferencia uma simples negociação (tractatus praeliminaris) de um contrato propriamente dito. As tratativas podem envolver cotações, esboços ou minutas sem gerar obrigações, enquanto o contrato nasce apenas quando há concordância efetiva de vontades e intenção de se vincular. A ausência desse elemento subjetivo pode invalidar o negócio ou impedir o reconhecimento do vínculo.

📌 Exemplo prático: duas construtoras trocam e-mails discutindo valores e condições para uma futura parceria. Embora uma delas alegue posteriormente a existência de contrato verbal, os documentos revelam apenas negociações exploratórias, sem compromisso firmado. Como não houve manifestação inequívoca de animus contrahendi, o Judiciário poderá reconhecer que não se constituiu vínculo contratual — afastando qualquer dever de indenizar por “rompimento de acordo”.

Atualidades

STJ: herdeiro que renuncia à herança não pode participar de sobrepartilha posterior nem habilitar crédito em falência

Imagem: criação Jus Civile

A Terceira Turma do STJ reafirmou que a renúncia à herança é ato jurídico puro, indivisível e irrevogável, de modo que o herdeiro que renuncia ao patrimônio deixado pelo falecido não pode participar de eventual sobrepartilha de bens descobertos posteriormente, tampouco habilitar crédito em processos de falência em nome do espólio. O entendimento foi fixado no REsp 1.855.689/DF, sob relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em julgamento unânime.

O caso teve origem em pedido de habilitação de crédito em processo falimentar, formulado por herdeira que havia renunciado à herança da mãe, mas buscava incluir crédito posteriormente descoberto em sobrepartilha. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia admitido a pretensão, entendendo que o surgimento de novos bens após a partilha permitiria nova manifestação de vontade — aceitação ou renúncia específica desses bens.

O STJ reformou o acórdão. Segundo o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a renúncia à herança, nos termos dos Arts. 1.808 e 1.812 do Código Civil, extingue retroativamente o direito sucessório, como se o herdeiro jamais tivesse existido na linha de sucessão. Assim, não subsiste qualquer prerrogativa patrimonial para o renunciante, ainda que novos bens sejam descobertos posteriormente.

A decisão também esclareceu que a sobrepartilha não anula nem rescinde a partilha anterior, servindo apenas para destinar bens sonegados ou descobertos após a conclusão do inventário. Nessa hipótese, não se reabre o direito sucessório, tampouco se cria nova oportunidade para o herdeiro que abdicou da herança.

Além disso, o Tribunal reafirmou que a coisa julgada possui limites subjetivos (Art. 506 do CPC) — ou seja, não vincula terceiros que não participaram do processo originário, como a massa falida que impugnou a habilitação.

Por fim, o STJ fixou que a impugnação à habilitação de crédito em falência gera condenação em honorários sucumbenciais, a serem arbitrados conforme o Art. 85, §2º, do CPC, e não por equidade, ressalvadas hipóteses excepcionais.

O precedente tem forte impacto na prática sucessória e empresarial, pois:

  • Reforça a definitividade e a retroatividade da renúncia à herança, evitando reabertura de sucessões findas;

  • Esclarece que a sobrepartilha não cria novo direito sucessório, apenas complementa a destinação de bens omitidos;

  • Delimita a aplicação da coisa julgada em habilitações de crédito no âmbito falimentar.

A decisão confere segurança jurídica à partilha de bens e preserva a estabilidade das relações sucessórias e empresariais, reafirmando que o exercício do direito de renunciar é pleno, consciente e irreversível — um marco relevante na jurisprudência do STJ sobre Direito das Sucessões.

InovAção

Lumen5: a inteligência artificial que transforma artigos jurídicos em vídeos

A advocacia moderna já compreendeu que o conhecimento técnico, por si só, não basta: é preciso comunicar bem. E a comunicação jurídica, cada vez mais visual, passa por um processo de transformação profunda impulsionado pela inteligência artificial. Nesse contexto, ferramentas como o Lumen5 ganham destaque ao permitir que advogados e escritórios convertam seus artigos, pareceres e posts em vídeos informativos e institucionais com apenas alguns cliques.

O Lumen5 foi originalmente criado como uma plataforma de video storytelling automatizado. A proposta é simples: o usuário insere um texto — seja um artigo de blog, uma notícia jurídica ou até um trecho de petição — e o sistema gera um roteiro visual, sugerindo imagens, trilhas sonoras, legendas e cortes dinâmicos. O resultado é um vídeo curto, de aparência profissional, pronto para ser publicado nas redes sociais ou incorporado a apresentações institucionais.

No universo jurídico, isso representa uma mudança de paradigma. Escritórios que antes dependiam de equipes de marketing ou produtores audiovisuais agora conseguem produzir conteúdo técnico e atraente de forma autônoma, mantendo a sobriedade exigida pela profissão. Em tempos em que o vídeo domina o consumo digital, essa possibilidade democratiza a comunicação e fortalece a autoridade dos profissionais nas redes.

O Lumen5 se diferencia por sua interface intuitiva e foco em textos reais — ideal para transformar posts, artigos de opinião e atualizações legislativas em vídeos curtos. A lógica é simples: o vídeo certo, feito de forma responsável, amplia o alcance sem vulgarizar o conteúdo. Em um cenário onde, segundo pesquisas, 30% de todo o conteúdo de marketing será gerado por IA até o fim de 2025, o uso estratégico dessas ferramentas deixa de ser tendência para se tornar competência essencial.

Para escritórios e advogados que desejam experimentar, três recomendações são fundamentais:

  • Parta de um conteúdo sólido: a IA pode transformar o texto em vídeo, mas não cria credibilidade. Roteiros objetivos e linguagem clara continuam sendo o elemento central da boa comunicação jurídica.

  • Atenha-se às diretrizes éticas da OAB: o uso de vídeos no marketing jurídico é permitido, desde que informativo e sem caráter de captação indevida de clientela. O propósito deve ser educativo e institucional.

  • Invista na regularidade: publicar um único vídeo é um experimento; publicar com consistência é estratégia. A recorrência é o que constrói autoridade e presença digital.

No fim, o Lumen5 mostra que o futuro da comunicação jurídica não está em falar mais, mas em mostrar melhor. Ao converter conhecimento em narrativa visual, o advogado não apenas acompanha a evolução tecnológica — ele amplia o alcance da própria voz jurídica, traduzindo o Direito para o formato mais universal do nosso tempo: o vídeo.

Obrigado por acompanhar mais uma edição da Jus Civile. Se este conteúdo te acrescentou algo — uma ideia, um argumento ou uma boa provocação — compartilhe com quem também valoriza o estudo sério do Direito. É assim que o conhecimento se espalha, e o projeto se fortalece. 🦉📚

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