Jus Civile #54

Em tempos de pressão, o sábio não acelera — ele observa. Não confunda velocidade com eficiência. A calma é o superpoder de quem entende que grandes decisões exigem clareza, não pressa. Boa leitura! 🦉

Institutos

Alimentos pretéritos

A obrigação alimentar é marcada pela atualidade e pela necessidade presente, mas o inadimplemento recorrente impõe ao ordenamento o dever de lidar com a execução de parcelas vencidas. São os chamados alimentos pretéritos, que correspondem às prestações alimentares não pagas nos meses anteriores ao ajuizamento da execução — sejam elas fixadas judicialmente, em acordo homologado ou decorrentes de sentença.

Apesar de a Constituição e a jurisprudência conferirem à prestação alimentar um regime especial de urgência e coercitividade, é preciso distinguir o que se cobra no processo: não se tratam de alimentos “novos” ou futuros, mas sim de valores vencidos — e, portanto, já líquidos, exigíveis e passíveis de execução.

O CPC, no Art. 528, §7º, admite a execução sob pena de prisão apenas das três últimas parcelas vencidas, além das vincendas no curso da ação. Já os valores anteriores a esse período — os alimentos pretéritos propriamente ditos — devem ser cobrados pelo rito da penhora (Art. 528, §8º), ou seja, por execução comum.

Esse entendimento tem sido reiterado pelo STJ, que diferencia claramente os alimentos vencidos há mais de três meses (e anteriores ao ajuizamento da ação) daqueles que podem justificar a medida extrema da prisão civil. Assim, ainda que todos os valores alimentares tenham origem na mesma sentença ou acordo, o prazo de vencimento influencia diretamente o rito de cobrança.

Na prática, o credor pode optar por acumular os dois ritos em ações separadas ou formular pedidos sucessivos, com pedido principal de prisão pelas três últimas parcelas e pedido subsidiário de penhora para os demais valores. Há também entendimento de que o credor pode ajuizar execução apenas dos alimentos pretéritos, desde que estejam devidamente vencidos, líquidos e comprovados por título executivo.

A natureza dos alimentos pretéritos permanece alimentar, o que permite a aplicação de regras específicas de correção monetária, juros e atualização pelo INPC, além da possibilidade de penhora de salários ou rendimentos, respeitados os limites legais. Contudo, é importante distinguir os alimentos atribuídos retroativamente por sentença, em caráter constitutivo, dos alimentos já fixados, mas não pagos — apenas estes últimos são considerados pretéritos na acepção processual.

Ao advogado, cabe atenção estratégica: identificar corretamente o período e a natureza da dívida, escolher o rito mais adequado e observar o entendimento local dos tribunais sobre a admissibilidade da prisão civil. Afinal, no campo dos alimentos, o tempo não apaga a dívida — apenas modifica a forma de cobrá-la.

Latim jurídico

Animus donandi

No campo do Direito Civil, a expressão animus donandi designa a intenção livre e consciente de transferir um bem ou vantagem a outrem, sem exigir contraprestação. Esse elemento subjetivo é essencial para a configuração da doação como negócio jurídico unilateral e gratuito — sendo, inclusive, pressuposto de validade do ato, nos termos do Art. 538 do Código Civil.

A ausência do animus donandi pode descaracterizar a doação e revelar, na verdade, um contrato oneroso, uma liberalidade simulada ou até mesmo uma manobra fraudulenta. Por isso, nos litígios que envolvem colações, anulação de doações ou heranças disfarçadas, o exame da intenção do doador assume papel central.

📌 Exemplo prático: em ação de inventário, um dos herdeiros afirma que o pai doou um veículo ao filho mais velho antes de falecer. O outro herdeiro contesta, dizendo que o pai apenas “emprestou o carro por tempo indeterminado”. A fim de qualificar o ato como doação e exigir sua colação, será necessário demonstrar que o falecido agiu com animus donandi — ou seja, que teve a clara intenção de transferir o bem em caráter definitivo, por liberalidade. Se comprovado, o valor do bem deverá ser trazido à partilha para equalizar as legítimas.

Atualidades

Airbnb é condenado a indenizar consumidoras por invasão e furto de imóvel alugado no exterior

Imagem: Adobe Stock

A 2ª Turma Cível do TJDFT decidiu, no bojo da apelação cível n° 0703902-75.2024.8.07.0011, que o Airbnb deve indenizar mãe e filha em R$ 14 mil por danos materiais e morais, em razão da invasão e furto ocorrido em apartamento alugado em Madrid, Espanha, por meio da plataforma. O colegiado reconheceu falha grave na prestação do serviço e omissão no suporte prestado às consumidoras.

Segundo os autos, as viajantes se ausentaram do imóvel e, ao retornarem, encontraram as malas reviradas e deram falta de dinheiro e joias. Foi registrado boletim de ocorrência e acionado o programa de proteção “AirCover”, mas a plataforma não ofereceu solução efetiva.

O juízo de 1ª instância havia julgado improcedente o pedido, acolhendo o argumento do Airbnb de que o fato configuraria fortuito externo, não relacionado à atividade da empresa.

Em apelação, porém, o relator, Desembargador Fernando Antônio Tavernard Lima, reformou a sentença. Para ele, a invasão sem arrombamento e a ausência de mecanismos adequados de segurança no imóvel, aliados à ineficiência do suporte prestado pela plataforma e pelo anfitrião, demonstram falha na prestação do serviço, atraindo a responsabilidade objetiva prevista no Art. 14 do CDC.

Nas palavras do relator, a insegurança materializada pela desautorizada ‘invasão’ do imóvel locado se enquadra como falha grave e não pode ser dissociada da prestação de serviço contratada.

Diante disso, a Turma fixou a indenização em R$ 3 mil por danos materiais (equivalentes a 570 euros) e R$ 4 mil para cada autora a título de danos morais, diante da insegurança e da frustração das expectativas durante viagem internacional.

A decisão fortalece a tese de que plataformas digitais que intermedeiam hospedagem respondem solidariamente por falhas do serviço, nos termos do CDC. O julgamento também deixa claro que o fortuito externo não pode ser alegado quando o risco é inerente à atividade econômica explorada, como a garantia mínima de segurança e suporte eficaz aos usuários.

Para consumidores, o precedente reforça a importância da proteção contratual em experiências digitais globais. Para fornecedores, acende um alerta sobre a necessidade de gestão mais robusta de riscos e protocolos de suporte, especialmente em serviços que dependem da confiança e da sensação de segurança.

InovAção

GPT-5: o novo modelo da OpenAI

A OpenAI lançou oficialmente o GPT-5 em 7 de agosto de 2025, marcando a chegada de um modelo multimodal e sofisticado, projetado para melhorar o desempenho em diversas tarefas — da resolução matemática e programação ao entendimento de imagens, áudio e vídeo.

Em benchmarks acadêmicos, o GPT-5 se destacou com resultados notáveis: 94,6% na AIME 2025 (matemática), 74,9% em SWE bench Verified (codificação), 84,2% em entendimento multimodal e performance competitiva na área da saúde. Detecta documentos extensos graças a uma janela de contexto ampliada de até um milhão de tokens — sem perda de coerência.

Internamente, o modelo possui um orquestrador automático que alterna entre variações rápidas e profundas conforme a complexidade da tarefa — dispensando a escolha manual de versões. A OpenAI também investiu em compleções mais seguras e menos “puxa-sacos”, reduzindo “alucinações” sem suprimir respostas legítimas — num equilíbrio inovador entre precisão e empatia.

Para uso em tarefas jurídicas como cálculos, estruturação contratual ou interpretação de documentos complexos, o GPT-5 mostra confiabilidade e profundidade de raciocínio técnica. A sua multimodalidade pode ser explorada para análise de laudos, imagens ou planos cartoriais.

Contudo, nem tudo foi recebido com entusiasmo:

  • Usuários reclamaram que o tom se tornou excessivamente formal — distante da personalidade calorosa de versões anteriores, como o GPT-4o — o que levou a OpenAI a restaurar alguns acessos e ajustar a “voz” de GPT 5.

  • A percepção de valor foi diluída pela expectativa de avanço revolucionário — muitos classificaram o modelo como incremental, não extraordinário.

  • Enquanto o GPT 5 obteve elogios por reduzir “delírios emocionais”, outros lamentaram a perda de uma interação mais empática com a IA.

O GPT-5 reafirma o avanço da IA para tarefas técnicas e estruturadas que exigem rigor e profundidade. No entanto, o modelo também destaca um paradoxo: quanto mais avançada a inteligência, menos pessoal a interação, o que pode alienar usuários acostumados a uma IA “amiga”.

No âmbito jurídico, ele se consolida como uma ferramenta poderosa e confiável para análises estruturais, ideal para advogados que prezam pela clareza técnica. Ainda assim, a experiência humana—intuitiva, empática e criativamente fluida—continua sendo um diferencial que a IA ainda busca equilibrar.

Tem alguém no seu grupo que vive perguntando “onde encontro um conteúdo jurídico decente”? Pois é. A Jus Civile está aqui — e você pode ser o motivo de mais um bom leitor se juntar à nossa legião. Compartilhe a newsletter com quem possa se interessar, e até a próxima semana! 🦉📚

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