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Jus Civile #51

Leitura jurídica não é sobre quantidade de fontes — é sobre saber onde pousar os olhos. Na edição de hoje, menos dispersão, mais direção. Boa leitura!☕🦉
Institutos
Dação em pagamento
No Direito das Obrigações, o pagamento é a forma típica de extinção do vínculo, representando a entrega da prestação tal como convencionada. No entanto, nem sempre o devedor está em condições de cumprir exatamente o que foi pactuado. Nesses casos, a lei admite a dação em pagamento, prevista no Art. 356 do Código Civil, como meio alternativo e consensual de adimplemento. Trata-se de situação em que o devedor, com anuência do credor, entrega uma prestação diversa daquela originalmente devida — por exemplo, um bem móvel ou imóvel — em substituição à obrigação principal, extinguindo-se, assim, a dívida.
A figura jurídica assemelha-se à novação, mas com distinções importantes. Na dação, a obrigação se extingue com a entrega efetiva da nova prestação — e não com a simples pactuação da substituição. Ademais, a dação não exige a constituição de nova obrigação, apenas a substituição da prestação por ato consensual. Embora classicamente ligada a obrigações pecuniárias, sua aplicação é possível sempre que a natureza da dívida permitir substituição por coisa ou serviço equivalente.
Na prática contratual, a dação em pagamento é comumente utilizada em:
Renegociação de dívidas bancárias, com entrega de bens como forma de quitação;
Acordos judiciais, em que o réu propõe bem imóvel como forma de extinguir a obrigação de pagar quantia certa;
Soluções extrajudiciais de inadimplemento contratual, como em contratos de prestação de serviços ou de compra e venda com entrega frustrada.
Do ponto de vista jurídico, a dação é considerada um negócio jurídico bilateral, oneroso e extintivo. A entrega da nova prestação implica, em regra, a transferência da titularidade do bem ao credor, com os efeitos próprios de uma alienação — o que impõe atenção quanto à evicção, vícios redibitórios e regularidade registral, nos casos de bens imóveis ou móveis sujeitos a registro.
A jurisprudência reconhece a validade da dação mesmo quando firmada por meio de cláusulas genéricas nos contratos, desde que haja manifestação de vontade clara no momento da entrega da prestação diversa. Há ainda decisões que admitem a dação parcial, nos casos em que o bem entregue não cobre integralmente o valor da dívida, permanecendo o saldo exigível.
Embora o instituto não seja frequentemente debatido em manuais práticos, sua utilidade é evidente em momentos de instabilidade econômica, recuperação de crédito e reestruturação contratual. Saber operar com segurança a dação em pagamento é essencial para advogados que atuam em negociações, execuções e acordos judiciais — e, mais do que isso, é uma demonstração de técnica refinada na construção de soluções jurídicas eficazes.
Latim jurídico
Favor testamenti
A locução favor testamenti consagra o princípio segundo o qual as disposições testamentárias devem ser interpretadas de forma a preservar, tanto quanto possível, a vontade do testador. Trata-se de um critério hermenêutico adotado pelo Direito das Sucessões para garantir eficácia máxima ao testamento, mesmo diante de eventuais imprecisões formais ou ambiguidades no texto.
Esse princípio opera como um antídoto contra interpretações excessivamente restritivas ou formalistas, buscando valorizar a autonomia privada na transmissão de patrimônio post mortem. O Código Civil, ao disciplinar o testamento, não menciona expressamente o favor testamenti, mas sua aplicação decorre de diversos dispositivos e da jurisprudência consolidada que prestigia a intenção do testador.
📌Exemplo prático: em testamento público, uma senhora declara que deixa “toda minha casa para minha sobrinha Clara”, sem especificar o endereço. Ela possuía dois imóveis: um apartamento em Copacabana e uma casa em Petrópolis, onde Clara sempre passava os fins de semana com ela. Diante da dúvida sobre qual bem seria o objeto da disposição, o juiz poderá aplicar o favor testamenti e considerar a residência em Petrópolis como aquela a ser transmitida, por ser a que mais se ajusta à intenção presumida da testadora — preservando, assim, a eficácia da liberalidade.
Atualidades
Consumidor que desiste de consórcio não tem direito à restituição imediata das parcelas nem a indenização por danos morais

Imagem: criação Jus Civile
A 1ª Turma Cível do TJDFT, no julgamento da Apelação Cível nº 0703923-27.2024.8.07.0019, analisou pedido de rescisão contratual cumulado com indenização por danos materiais e morais, formulado por consumidora que aderiu a contrato de consórcio, mas posteriormente manifestou arrependimento. O recurso foi conhecido e desprovido por unanimidade, mantendo-se a sentença que julgou improcedente a pretensão.
A decisão reafirma o entendimento consolidado sobre o regime jurídico dos consórcios — especialmente quanto à não exigibilidade de restituição imediata das parcelas pagas em caso de desistência, e à inexistência de dano moral nas hipóteses em que não há vício de consentimento nem conduta abusiva por parte da administradora.
A autora alegava não ter sido devidamente informada sobre as condições do contrato e pretendia a rescisão com devolução imediata das parcelas pagas, além de indenização por abalo moral. A empresa administradora do consórcio, por sua vez, defendeu a legalidade do contrato, a inexistência de vício de informação e a inaplicabilidade da devolução antecipada ou de indenização.
O Tribunal confirmou a existência de relação de consumo entre as partes, mas reconheceu que a autora teve plena ciência de que contratava um consórcio, e não financiamento ou qualquer promessa de contemplação imediata. O conjunto probatório evidenciou que as condições da contratação foram suficientemente claras e compreendidas.
Assim, afastou-se qualquer alegação de vício de consentimento ou desinformação. Diante da manifestação voluntária de desistência, a Turma entendeu não ser o caso de rescisão judicial do contrato, aplicando diretamente a Lei nº 11.795/2008, que regula os sistemas de consórcio.
Nos termos do Art. 22 e Art. 30 da referida norma, a restituição das parcelas ao consorciado desistente deverá ocorrer apenas após a contemplação por sorteio ou lance, ou ao final do grupo — não sendo possível pleitear a devolução imediata na via judicial.
Além disso, o acórdão reconheceu que a mera frustração de expectativa — sem demonstração de conduta ilícita, abusiva ou ofensiva aos direitos da personalidade — não configura dano moral indenizável, mantendo-se incólume o padrão jurisprudencial quanto à banalização da reparação extrapatrimonial.
O julgamento reafirma diretriz central da jurisprudência pátria: a desistência voluntária do consórcio implica submissão ao regime legal de restituição diferida das parcelas, sendo inexigível o reembolso imediato. Também reforça o compromisso dos tribunais com a contenção do dano moral como mecanismo automático de reparação, exigindo prova efetiva de lesão concreta a direito da personalidade.
InovAção
Grok 4 (xAI): análise do novo modelo de IA e sua aplicabilidade ao Direito
A empresa xAI, de Elon Musk, apresentou recentemente o Grok 4 e sua versão mais robusta, o Grok 4 Heavy. Eles se posicionam como candidatos diretos à disputa com modelos líderes como GPT 4o, Gemini 2.5 Pro e Claude Opus 4 — mas com enfoques técnicos e éticos próprios que trazem oportunidades e riscos para o uso no meio jurídico.
Segundo divulgação oficial, o Grok 4 se destaca por:
Integração nativa com ferramentas como navegação web em tempo real, interpretação visual, e execução de ferramentas embutidas no modelo.
Desempenho de ponta em benchmarks acadêmicos: alcançou 25,4 % no Humanity’s Last Exam, e o Grok 4 Heavy atingiu 44,4 % no ARC AGI 2 — acima de concorrentes como Claude, Gemini ou GPT 4º.
Elevada capacidade de raciocínio matemático e lógico, com forte aplicabilidade a tarefas formais.
Oferecee contexto de até 256 mil tokens, maior capacidade do que GPT 4o ou Claude Opus 4.
Embora ainda não haja relevantes feedbacks de usuários do meio jurídico documentados, as características técnicas do Grok 4 indicam que ele pode se destacar para:
Redação de pareceres complexos, com raciocínio longo e fundamentações analíticas;
Revisão de cálculos judiciais, tabelas ou planilhas — graças ao bom desempenho em lógica e matemática;
Extração automatizada de dados de documentos jurídicos multimodais, como PDF, imagens e tabelas, graças à sua capacidade multimodal integrada.
O Grok 4, especialmente em sua versão Heavy, representa a fronteira do raciocínio lógico e análise formal em IA. Seu potencial reside na atuação sobre documentos extensos, cálculos judiciais ou interpretação de materiais complexos — o que pode ser aproveitado em tarefas como elaboração de cálculos, diretrizes contratuais ou peças jurídicas com fundamentações densas.
Fechamos mais uma edição com a sensação de dever cumprido — e com a esperança de que algo aqui tenha feito diferença para você. Se fez, compartilhe a Jus Civile com quem possa se interessar. Até a próxima! 🦉📚
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