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Jus Civile #49

Seja bem-vindo(a) à Jus Civile! O argumento técnico continua sendo a ferramenta mais eficiente contra o improviso. Nesta edição, você encontra matéria-prima para sustentar posições com precisão. Pegue o seu café e tenha uma boa leitura! 🦉
Institutos
Litigância de má-fé
A boa-fé objetiva, embora nascida como princípio do direito material, encontra no processo civil um campo fértil de incidência. O dever de lealdade processual impõe às partes — e, por extensão, a todos que participam do processo — a obrigação de atuar com veracidade, cooperação e respeito à função jurisdicional. Quando esse dever é violado, configura-se a litigância de má-fé, disciplinada nos Arts. 79 a 81 do CPC/2015, com consequências patrimoniais e processuais relevantes.
A atuação de má-fé é reconhecida quando a parte adota comportamento desleal, distorcendo os fatos, manipulando o conteúdo jurídico da demanda ou praticando atos processuais com o intuito de retardar o feito ou obter vantagem indevida. O Art. 80 do CPC traz um rol exemplificativo de condutas tipificadas como litigância de má-fé, entre as quais se destacam:
Alterar a verdade dos fatos;
Usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
Opor resistência injustificada ao andamento do processo;
Interpor recurso com intuito manifestamente protelatório;
Provocar incidentes infundados ou formular pretensões ou defesas cientes de sua improcedência.
A configuração da má-fé processual exige conduta dolosa ou, ao menos, temerária, não bastando o simples equívoco ou erro de interpretação jurídica. As sanções aplicáveis incluem a indenização à parte contrária pelos prejuízos sofridos, o pagamento de multa processual de até 10% sobre o valor corrigido da causa (Art. 81, caput) e, em casos mais graves, indenização por perdas e danos. A condenação pode recair tanto sobre a parte quanto sobre o advogado, quando comprovada sua participação ativa na conduta abusiva. O juiz pode reconhecer a má-fé de ofício ou a requerimento, sempre assegurando o contraditório.
Ainda que os tribunais superiores, em especial o STJ, recomendem moderação na aplicação dessas penalidades — de modo a evitar que a sanção vire instrumento de intimidação —, há situações em que sua imposição é fundamental para a integridade do processo. É o caso de recursos manifestamente protelatórios e reconvenções desprovidas de base fática.
A litigância de má-fé não se combate apenas com repressão: ela exige do profissional do Direito consciência técnica, rigor ético e compromisso com o devido processo legal. Importante observar que a simples improcedência de uma ação ou recurso não implica, por si só, má-fé, sendo necessário comprovar a intenção dolosa ou a reiteração de condutas abusivas. O processo civil contemporâneo não admite o uso estratégico de mentiras, omissões ou manobras artificiais — e é exatamente por isso que o instituto da litigância de má-fé ocupa papel essencial na preservação da seriedade da jurisdição.
Latim jurídico
Quod non est in actis, non est in mundo
A máxima quod non est in actis, non est in mundo — "o que não está nos autos, não está no mundo" — sintetiza com precisão o princípio da vinculação do julgador às provas e elementos constantes no processo. No Direito Processual Civil, essa expressão reforça a ideia de que o juiz só pode decidir com base naquilo que foi efetivamente produzido e documentado nos autos, visando à imparcialidade, contraditório e segurança jurídica.
Não basta, portanto, que a parte alegue um fato relevante: é indispensável que o demonstre por meios admitidos em direito, sob pena de o juízo desconsiderar sua alegação. Essa máxima é especialmente importante em temas como ônus da prova, instrução processual e fundamentação das decisões (Art. 489, §1º do CPC).
📌Exemplo prático: em uma ação de reparação por danos materiais, o autor alega ter gasto R$ 15 mil com consertos após um vício oculto em imóvel recém-adquirido. Entretanto, não junta notas fiscais, comprovantes ou sequer fotografias dos reparos. Ainda que o juiz tenha convicção subjetiva de que o gasto ocorreu, ele não poderá condenar o réu sem elementos probatórios nos autos — sob pena de violar o princípio consagrado na máxima quod non est in actis, non est in mundo.
Atualidades
Base de cálculo do ITBI é o valor de transação do imóvel, e não o valor venal definido pelo município ou indicado no IPTU, decide STJ

Imagem: criação Jus Civile
Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.113), a Primeira Seção do STJ firmou entendimento com profundos impactos na tributação imobiliária em todo o país: a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) deve ser o valor do imóvel em condições normais de mercado, e não o valor venal utilizado para cálculo do IPTU.
A decisão, proferida em 22 de maio de 2024 no REsp 1.937.821/SP, resolve controvérsia que vinha gerando insegurança jurídica e multiplicidade de ações judiciais — especialmente em face de práticas municipais que utilizavam, de forma vinculante, valores de referência genéricos ou a própria base do IPTU como piso de tributação.
O STJ estabeleceu as seguintes teses jurídicas vinculantes:
A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso mínimo de tributação.
O valor declarado pelo contribuinte goza de presunção de veracidade, por refletir o valor de mercado, só podendo ser afastado mediante instauração de processo administrativo específico, com observância do contraditório (Art. 148 do CTN).
É vedado ao município fixar previamente a base de cálculo do ITBI com base em valores de referência unilaterais, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária e à regra do lançamento por declaração.
O relator, Ministro Gurgel de Faria, destacou que, conforme os Arts. 35 e 38 do CTN, o fato gerador do ITBI é a transmissão onerosa da propriedade, e sua base de cálculo deve ser o valor venal dos bens em condições normais de mercado, e não um valor fixo, genérico ou estimado.
A distinção é fundamental: enquanto o IPTU se apoia em planta genérica de valores, elaborada por lei para toda a cidade, o ITBI deve levar em conta as peculiaridades do imóvel, seu estado de conservação, localização, benfeitorias, liquidez e condições da negociação. Qualquer tentativa de vincular automaticamente os dois tributos afronta o princípio da legalidade estrita.
O ministro também enfatizou que o contribuinte deve ter a oportunidade de demonstrar a adequação de sua declaração e que o uso de valores pré-estabelecidos pelo fisco inverte indevidamente o ônus da prova, obrigando o particular a comprovar o equívoco de um valor presumido — o que é incompatível com o Art. 148 do CTN.
A tese fixada pelo STJ impõe importantes limites à atuação tributária dos municípios, especialmente em grandes centros urbanos, onde o uso de valores de referência para ITBI tornou-se prática recorrente. Com o precedente qualificado, diversas autuações tributárias poderão ser revistas ou anuladas, desde que contrariem os parâmetros estabelecidos.
Além disso, a decisão reforça a centralidade da declaração do contribuinte no lançamento do ITBI, valorizando a boa-fé objetiva e exigindo do fisco atuação motivada e procedimentalmente adequada para revisão do valor.
O acórdão representa avanço relevante na consolidação do princípio da tributação com justiça material, ao impedir que valores abstratos ou estimativas genéricas prejudiquem negociações legítimas. A tese valoriza a individualidade do bem e as especificidades da transação, o que é coerente com a noção de “valor venal em condições normais de mercado”.
InovAção
Sr. Watson: inteligência de dados para investigações patrimoniais e prevenção de fraudes
No universo da advocacia cível — especialmente na atuação contenciosa envolvendo cobrança, execução ou responsabilização por atos ilícitos — a busca por ativos e o mapeamento de vínculos empresariais tornaram-se etapas cruciais. Nesse cenário, a ferramenta Sr. Watson desponta como uma solução digital que visa integrar bases de dados públicas e privadas, fornecendo uma visão ampla e estruturada de pessoas físicas e jurídicas.
A proposta da plataforma é clara: reunir em um só ambiente dados sobre CNPJs, CPFs, processos judiciais, vínculos societários, situação cadastral, risco financeiro, entre outros. Com isso, o profissional consegue compor relatórios patrimoniais, realizar investigações pré-contratuais ou de compliance, avaliar riscos em operações comerciais e até mesmo estruturar estratégias para recuperação de crédito.
Analisamos a ferramenta e observamos que o Sr. Watson pode ser utilizado em diversas frentes, entre as quais destacam-se:
Análise de fornecedores e parceiros: permite consultas aprofundadas por CNPJ, revelando histórico processual, quadro societário e dados fiscais;
Verificação de antecedentes de pessoas físicas: com base no CPF, possibilita mapear vínculos com empresas, passivos judiciais e outras inconsistências;
Prevenção contra fraudes em contratações e transações: auxilia na autenticação de dados e identificação de sinais de risco;
Investigação de concorrentes e compliance: fornece insights sobre a estrutura, exposição judicial e aspectos financeiros de empresas rivais;
Relatórios integrados e usabilidade: os dados são apresentados de forma consolidada e intuitiva, facilitando a leitura e a tomada de decisão.
Um ponto relevante é o uso da ferramenta para construção de dossiês patrimoniais, cada vez mais comuns em processos de execução, ações indenizatórias e litígios envolvendo fraude, ocultação de bens ou desconsideração da personalidade jurídica.
A Sr. Watson se apresenta como uma aliada tecnológica de peso para o advogado cível que atua com demandas envolvendo responsabilização, fraude, recuperação de crédito e investigações patrimoniais. Ao centralizar múltiplas bases em um único ambiente e facilitar a visualização dos dados, a ferramenta otimiza etapas-chave do trabalho forense — sem, no entanto, substituir o crivo técnico-jurídico na interpretação dos resultados. É uma solução que espelha uma tendência cada vez mais sólida: a advocacia guiada por dados.
Mais uma edição concluída. Se este conteúdo te trouxe boas reflexões, compartilhe a newsletter com quem também vive o Direito no cotidiano. A troca fortalece o saber — e mantém este projeto em voo contínuo. Nos vemos na próxima! 🦉📚
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