Jus Civile #47

Por trás do litígio, há nuance. Por trás da norma, intenção. É preciso escutar antes de argumentar — e compreender antes de decidir. Pegue um café, acomode-se e tenha uma boa leitura!

Institutos

Confusão

Entre as formas de extinção das obrigações previstas no Código Civil, a confusão (Arts. 381 a 384) é uma das mais discretas, porém tecnicamente relevantes. Ela ocorre quando as qualidades de credor e devedor se reúnem na mesma pessoa, extinguindo-se a obrigação automaticamente por ausência de sujeitos distintos. Trata-se de extinção que se dá por efeito legal, sem necessidade de manifestação de vontade ou adimplemento.

Algumas situações práticas podem ocorrer com certa frequência no mundo jurídico — desde que haja coincidência plena dos polos subjetivos da relação, a dívida deixa de existir. Exemplos típicos incluem:

  • O devedor que herda o crédito do próprio credor (ou vice-versa);

  • Fusão entre empresas que detinham obrigações recíprocas entre si;

  • Cessão de crédito que, por alguma razão, retorna ao devedor original.

Importante observar que a confusão não prejudica terceiros, como fiadores ou codevedores, que permanecem obrigados. Também não se presume: é necessário que haja identidade substancial entre os sujeitos. O Código ainda prevê a possibilidade de a obrigação ser restabelecida, caso ocorra cessão posterior do crédito ou da dívida antes da consolidação dos efeitos extintivos. E quando a confusão se dá apenas em razão de representação — como no caso de procuradores ou administradores —, ela não se configura juridicamente, já que a titularidade permanece distinta.

A confusão se distingue da compensação, da novação e do pagamento. Na compensação, há obrigações recíprocas entre sujeitos distintos; na novação, há vontade expressa de substituir a obrigação; no pagamento, ocorre adimplemento voluntário. Já a confusão opera de forma automática, sempre que se fundem os polos subjetivos da obrigação em uma só pessoa. Embora raramente invocada nas petições iniciais, é um instituto de aplicação prática recorrente, especialmente em sucessões, reorganizações patrimoniais e reestruturações empresariais. Entendê-la é reconhecer que o vínculo obrigacional também pode se desfazer silenciosamente — não por vontade, mas por identidade.

Latim jurídico

Dies a quo

No vocabulário jurídico, a expressão dies a quo designa o termo inicial de um prazo — o dia a partir do qual se começa a contar o tempo para que determinado efeito jurídico ocorra. É uma construção essencial para compreender institutos como prescrição, decadência, início de contagem de prazos contratuais e prazos processuais.

A definição correta do dies a quo pode ser decisiva para o êxito de uma ação ou para o reconhecimento de um direito. Em muitas situações, ele coincide com o conhecimento do fato lesivo; em outras, com o vencimento de uma obrigação ou com o trânsito em julgado de uma sentença. Cada caso exigirá análise do dispositivo legal aplicável e da jurisprudência consolidada. 

📌 Exemplo prático: em uma ação de responsabilidade civil por erro médico, o prazo prescricional de 3 anos (Art. 206, §3º, V do Código Civil) não começa a contar da data da cirurgia, mas sim do momento em que o paciente teve ciência inequívoca do dano e de sua autoria — este será o dies a quo. Se a lesão apenas se revelou meses depois da intervenção, o prazo se inicia naquele momento, e não retroativamente.

Atualidades

STJ valida notificação por e-mail em ações de busca e apreensão: um novo marco na efetividade da alienação fiduciária

Imagem: criação Jus Civile

Em decisão unânime proferida no REsp 2.183.860/DF, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou importante precedente ao reconhecer a validade da notificação extrajudicial enviada por correio eletrônico (e-mail), desde que cumpridos dois requisitos:

  • O e-mail deve ter sido indicado expressamente no contrato pelo devedor fiduciante;

  • Deve haver comprovação idônea do recebimento da notificação.

O caso envolveu a busca e apreensão de um gerador de energia solar financiado com cláusula de alienação fiduciária. A instituição credora notificou o devedor apenas por e-mail, e a controvérsia girou em torno da suficiência dessa forma de comunicação para fins de comprovação da mora — exigência legal prevista no Art. 2º, §2º, do Decreto-Lei 911/69.

O relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, embora o texto legal faça referência à carta registrada com AR como meio idôneo de notificação, essa forma não é exclusiva. Com base em interpretação analógica e no princípio da instrumentalidade das formas (Art. 188 do CPC), o Tribunal reconheceu que a finalidade da norma — assegurar ciência inequívoca ao devedor — pode ser atingida por meios eletrônicos, desde que haja garantia de autenticidade, entrega e recebimento.

A Ministra Nancy Andrighi, em voto-vista acompanhado integralmente pelos demais ministros, reforçou o raciocínio com base em dados estatísticos sobre o crescimento do acesso à internet no Brasil e no mundo, destacando que a transformação digital já está incorporada à realidade contratual. Para a Ministra, impedir o uso de meios eletrônicos seria ignorar a dinâmica atual da comunicação e, paradoxalmente, afastar o Judiciário da vida cotidiana da população.

O precedente promove uma virada jurisprudencial com ampla repercussão prática:

  • Para as instituições financeiras, representa maior segurança jurídica e redução de custos operacionais, ao permitir meios mais céleres e econômicos de notificação.

  • Para o devedor, exige maior atenção ao fornecimento e atualização de dados contratuais, especialmente endereços eletrônicos, sob pena de ser validamente notificado por um canal que ele mesmo indicou.

Além disso, o STJ deixou claro que eventual irregularidade ou nulidade da notificação por e-mail deve ser arguida em sede de instrução probatória, nos termos do Art. 373, II, do CPC. Ou seja, caberá ao devedor comprovar eventual falha no recebimento, invertendo a lógica tradicional de prova da mora.

Do ponto de vista dogmático, a decisão caminha em consonância com o processo de modernização normativa e funcional do direito contratual. Contudo, a abertura à notificação por e-mail exige cautela no exame probatório, principalmente quanto à autenticidade dos registros de envio, leitura e conteúdo da mensagem eletrônica. Em tempos de spam, phishing e fragilidade de segurança digital, a presunção de recebimento exige robusta ancoragem técnica e documental.

Outro ponto que merece reflexão diz respeito à simetria informacional entre as partes. Se por um lado o credor detém expertise tecnológica e domínio dos meios de notificação, o devedor pode não possuir o mesmo grau de sofisticação digital — o que, em determinados contextos, pode gerar desequilíbrios relevantes, especialmente em contratos massificados.

Ainda assim, o precedente representa uma inflexão coerente com os princípios da boa-fé objetiva, da eficiência processual e da razoável duração do processo. Ao legitimar o uso do e-mail como instrumento eficaz de notificação, o STJ reforça a adaptabilidade do Direito aos novos paradigmas da comunicação — sem abdicar da cautela que a matéria exige.

InovAção

Engenharia de prompt: expert em apelação cível

A aplicação da inteligência artificial no processo de elaboração de peças processuais tem evoluído rapidamente — e, quando combinada com comandos bem estruturados, pode auxiliar de forma concreta na produção de minutas complexas, como uma apelação cível.

Nesta edição, destacamos um prompt elaborado para maximizar a atuação da IA na redação de recursos cíveis. O modelo assume o papel de um advogado civilista sênior e foca na coleta criteriosa de informações antes de redigir a peça, garantindo precisão técnica, aderência ao caso concreto e estrutura compatível com o CPC

A seguir, confira o prompt completo, pronto para ser utilizado (basta copiar e colar) em modelos como o ChatGPT, Claude, Gemini ou equivalentes:

🧠 Elaboração de Apelação Cível por Advogado Civilista Sênior

📌 Papel (Role)

Você é um advogado civilista sênior, altamente experiente e reconhecido por sua habilidade em redigir apelações cíveis estratégicas, técnicas e persuasivas. Com décadas de atuação e profundo domínio do direito processual e material, você conduz recursos com precisão argumentativa, sólida fundamentação jurídica e excelência redacional.

🎯 Tarefa (Task)

Sua tarefa é redigir uma apelação cível de alto nível, com o objetivo de reformar uma sentença de primeira instância. Antes de elaborar o recurso, siga o processo abaixo:

1. Faça uma análise preliminar da situação, coletando informações essenciais sobre o caso concreto.

2. Solicite ao solicitante as seguintes informações:

  • Qual foi o objeto da ação?

  •  Quais são os principais fundamentos da sentença impugnada?

  •  Quais são os fatos relevantes que precisam ser destacados?

  • Existe alguma prova nos autos que foi desconsiderada ou mal interpretada?

  • Quais são os principais argumentos jurídicos que sustentam a tese recursal?

  • Há jurisprudência ou precedentes favoráveis?

3. Após obter as respostas, redija a peça de apelação com:

  • Estrutura técnica (endereçamento, resumo fático, fundamentos, jurisprudência, pedidos);

  • Linguagem formal e persuasiva;

  •  Ênfase na estratégia recursal e reforma da sentença;

  • Fundamentação precisa, com base no Código de Processo Civil e demais normas aplicáveis.

🧷 Especificações (Specifics)

  • Seja detalhista e crítico na análise dos fundamentos da sentença.

  • Destaque eventuais nulidades, omissões ou erros de julgamento.

  • Utilize citações legais e jurisprudenciais reais, se disponíveis.

  • Redija com clareza, evitando jargões excessivos, mas mantendo o nível técnico-jurídico elevado.

  • Adote tom respeitoso, porém assertivo e combativo.

🧩 Contexto (Context)

Você está atuando como consultor jurídico especializado, responsável por elaborar recursos cíveis para diferentes tipos de ações judiciais (indenizatórias, contratuais, possessórias, familiares etc.). Seu papel é fornecer uma apelação estratégica, personalizada conforme os detalhes do caso. Para isso, você sempre inicia com um levantamento criterioso das informações, garantindo a qualidade e eficácia da peça.

🧪 Exemplos (Examples)

Exemplo 1

Q: Quero que você elabore uma apelação cível.
A: Perfeito. Para redigir uma peça precisa, por favor, me informe:

  • Qual foi o objeto da ação e a decisão proferida?

  • Quais os principais fundamentos da sentença que deseja impugnar?

  • Houve algum ponto que você considera omisso, contraditório ou injusto?

  • Há documentos ou provas relevantes que foram ignorados?

  • Existe alguma jurisprudência que você gostaria de citar?

Exemplo 2

Q: Preciso recorrer de uma sentença que indeferiu meus pedidos.
A: Entendido. Antes de começar a redigir a apelação, por gentileza, responda:

  • Qual era o pedido da ação?

  • Quais argumentos o juiz usou para julgar improcedente?

  • Há fatos importantes que o juiz não considerou?

  • Existem precedentes favoráveis ao seu caso?

📝 Notas (Notes)

  • Sempre colete informações completas antes de redigir a peça.

  • Se alguma informação estiver incompleta ou ambígua, solicite esclarecimento ao usuário.

  • Evite suposições. A argumentação deve ser construída com base em dados concretos.

  • Após obter as respostas, gere a peça em conformidade com o padrão do CPC, com foco na reforma da sentença.

  • Inclua jurisprudência apenas se ela for relevante e realista.

Com o uso de prompts estruturados como este, o profissional do Direito deixa de depender de respostas genéricas da IA e passa a conduzir a elaboração de peças com maior controle, qualidade e personalização. Mais do que uma tendência, a engenharia de prompt representa uma habilidade técnica essencial na advocacia contemporânea — e, bem utilizada, pode se tornar aliada estratégica na rotina jurídica.

Mais uma edição concluída — e nossa gratidão por sua leitura. Se a Jus Civile faz sentido para você, faça sentido para mais alguém: envie, compartilhe, indique. É assim que mantemos este projeto vivo e o conhecimento em movimento. 🦉📚

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