Jus Civile #31

Mais uma semana, mais uma oportunidade de aprimorar o seu conhecimento jurídico! Na 31ª edição da Jus Civile, reunimos análises e tendências que impactam a advocacia e o Direito. Afinal, a informação bem utilizada é uma ferramenta poderosa. Vamos juntos? ⚖️

Institutos

Dano reflexo

No Direito Civil, a responsabilidade por um dano normalmente está vinculada à relação direta entre o ato ilícito e a vítima. No entanto, há situações em que terceiros, que não foram atingidos de forma imediata pelo ato lesivo, também sofrem prejuízos relevantes. Esse fenômeno é conhecido como dano reflexo (ou dano em ricochete), e sua reparação é reconhecida pela jurisprudência brasileira.

O dano reflexo ocorre quando o prejuízo ultrapassa a vítima direta e atinge terceiros ligados a ela, seja por laços familiares, afetivos ou patrimoniais. Um exemplo clássico é o dos familiares de uma vítima fatal em um acidente de trânsito, que sofrem não apenas com a perda emocional, mas também com a redução da renda familiar e do sustento. Outra hipótese comum é a do sócio de uma empresa que sofre danos financeiros em razão de um ato ilícito cometido contra a sociedade, refletindo-se em seu patrimônio pessoal.

O STJ já pacificou o entendimento quanto ao caráter autônomo do dano reflexo, no sentido de que ele não é uma mera consequência do dano sofrido pela vítima direta, mas sim uma situação jurídica independente, com direito próprio à indenização. Esse posicionamento tem sido aplicado especialmente em casos de morte de parentes próximos, onde se reconhece que os familiares sofrem um dano próprio, distinto do que foi suportado pela vítima fatal.

Além disso, o STJ tem flexibilizado o critério de vínculo entre vítima direta e indireta, reconhecendo que o dano reflexo não se limita apenas a cônjuges e descendentes, mas pode atingir qualquer pessoa que sofra um impacto relevante da conduta ilícita, desde que haja comprovação do nexo causal entre o ato ilícito e o prejuízo experimentado pelo terceiro.

Para que o dano reflexo seja passível de reparação, é necessário atender a alguns requisitos:

  • Ato ilícito comprovado: a conduta do agente deve ser contrária à lei ou causar prejuízo a outrem.

  • Nexo causal: o terceiro prejudicado deve demonstrar que seu sofrimento ou perda decorre diretamente do dano causado à vítima principal.

  • Prejuízo autônomo: o impacto sofrido pelo terceiro deve ser real e mensurável, indo além de um mero desconforto psicológico ou aborrecimento comum.

A reparação pode abranger tanto dano moral, em razão do sofrimento psicológico experimentado pelo terceiro, quanto dano material, se houver impacto econômico decorrente da perda da vítima direta.

📌Análise crítica: o reconhecimento do dano reflexo representa um avanço na proteção das vítimas indiretas de um ato ilícito, garantindo a devida compensação àqueles que sofrem prejuízos relevantes. No entanto, a expansão da responsabilidade civil nesse sentido também levanta preocupações sobre os limites da reparação, especialmente diante da subjetividade na comprovação do sofrimento e da extensão dos vínculos entre a vítima direta e os terceiros prejudicados. A flexibilização desses critérios pode gerar um aumento expressivo no número de demandas indenizatórias, exigindo dos tribunais um rigor técnico na análise do nexo causal e da efetiva existência do dano. Assim, embora o instituto cumpra uma função essencial na tutela de direitos, seu uso deve ser pautado por critérios bem definidos, evitando a banalização da responsabilidade civil e garantindo que a reparação seja concedida apenas em casos onde o prejuízo seja real, direto e devidamente comprovado.

Latim jurídico

Exceptio non adimpleti contractus

A expressão exceptio non adimpleti contractus pode ser traduzida como "exceção do contrato não cumprido" e representa um importante mecanismo de defesa no Direito Contratual. Esse instituto permite que uma parte se recuse a cumprir sua obrigação contratual enquanto a outra parte não cumprir a sua, garantindo o equilíbrio nas relações obrigacionais.

No Direito Brasileiro, essa exceção está prevista no Art. 476 do Código Civil, que estabelece que nos contratos bilaterais, nenhuma das partes pode exigir o cumprimento da obrigação da outra se não tiver cumprido a sua própria obrigação. O objetivo desse mecanismo é impedir que uma parte seja prejudicada ao ter de cumprir sua prestação sem receber a contraprestação devida.

📌 Exemplo prático: em um contrato de reforma de imóvel, um proprietário contrata uma empreiteira para realizar a reforma, com pagamentos programados conforme o andamento da obra. Se a empresa interrompe os serviços sem justificativa antes da conclusão de uma etapa já paga, o contratante pode invocar a exceptio non adimpleti contractus e suspender os pagamentos até que a reforma seja retomada, garantindo que não sofra prejuízo por descumprimento contratual da outra parte.

Esse princípio reforça a boa-fé contratual e a necessidade de reciprocidade nas obrigações, para que nenhuma das partes seja compelida a cumprir o contrato se a outra parte não estiver adimplente.

Atualidades

STJ define que bens no exterior não integram inventário no Brasil

Imagem: Freepik

O STJ consolidou um entendimento relevante para o Direito Sucessório Internacional, reafirmando que bens situados no exterior não devem ser incluídos no inventário realizado no Brasil. A sucessão desses bens deve seguir as normas do país onde estão localizados, e não a legislação brasileira.

A decisão foi proferida no Recurso Especial nº 2.080.842/SP, no qual os herdeiros do falecido buscavam a inclusão, no inventário brasileiro, de participações societárias mantidas pelo de cujus em empresas offshore situadas nas Ilhas Virgens Britânicas. O pedido foi negado com base no princípio da lex rei sitae, segundo o qual a sucessão de bens imóveis e participações societárias é regida pela legislação do país onde se encontram.

No julgamento, a Terceira Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, decidiu que:

  • A Justiça brasileira tem competência apenas sobre bens localizados no Brasil, conforme dispõe o Art. 23, II, do CPC/2015.

  • A sucessão de bens situados no exterior deve seguir a lei do país onde estão registrados, independentemente do domicílio do falecido.

  • A partilha brasileira não pode compensar herdeiros com bens localizados no exterior, pois esses ativos devem ser inventariados conforme as normas locais.

O Tribunal enfatizou que, apesar de o Art. 10 da LINDB estabelecer que a sucessão é regulada pela lei do domicílio do falecido, esse dispositivo não se sobrepõe à lex rei sitae quando se trata de bens estrangeiros. Assim, caso um inventariante deseje administrar ou dividir bens no exterior, deverá iniciar um processo sucessório no país onde esses bens estão registrados.

Esse entendimento do STJ tem implicações diretas para famílias que possuem patrimônio em diferentes países, pois reforça a necessidade de um planejamento sucessório adequado. Em casos como esse, os herdeiros precisarão recorrer à Justiça estrangeira para garantir a partilha dos bens fora do Brasil, o que pode demandar tempo e custos adicionais.

A decisão também evidencia que não há um único inventário universal para bens espalhados pelo mundo, sendo necessário que cada jurisdição trate da sucessão de acordo com suas próprias regras. Para evitar disputas, instrumentos como testamentos internacionais e estruturação patrimonial prévia podem ser medidas eficazes para garantir a segurança jurídica na transmissão de bens.

InovAção

Inquest: inteligência de dados para rastreio patrimonial e gestão de risco

A tecnologia aplicada ao Direito proporciona ferramentas para tornar investigações patrimoniais e diligências pré-contratuais mais eficientes. A Inquest é uma plataforma que se destaca nesse cenário, oferecendo recursos voltados à identificação de bens, rastreamento patrimonial e mitigação de riscos em contratações e negócios. Seu propósito é fornecer informações estratégicas para advogados, empresas e departamentos jurídicos que necessitam de maior precisão na execução de créditos, análise de fraudes e prevenção de litígios.

Um dos diferenciais da Inquest está no rastreio patrimonial e monitoramento de ativos ocultos. A plataforma cruza bases de dados públicas e privadas para identificar bens registrados em nome de pessoas físicas e jurídicas, mapeando possíveis tentativas de blindagem patrimonial ou ocultação de bens.

Entre os recursos oferecidos, o Mapa de Calor se destaca por permitir uma visualização gráfica e dinâmica da dispersão patrimonial, facilitando a interpretação de dados e a identificação de padrões suspeitos. A ferramenta é especialmente útil para advogados atuantes em ações de execuções, cobranças, dissoluções societárias e litígios complexos, onde a localização precisa dos ativos do devedor pode ser determinante para o sucesso da demanda.

Além do rastreamento patrimonial, a Inquest também disponibiliza o Report Preventivo, ferramenta voltada para pesquisas pré-contratuais e análise de riscos. Com ele, é possível:

  • Realizar verificações antes da contratação de funcionários e parceiros, garantindo um histórico confiável.

  • Analisar a capacidade financeira de clientes e sócios, reduzindo riscos em relações comerciais.

  • Fazer diligências prévias em processos de fusão e aquisição (M&A), evitando problemas futuros.

  • Verificar a idoneidade de fornecedores antes da assinatura de contratos.

  • Evitar fraudes em transações imobiliárias, analisando possíveis riscos patrimoniais ocultos.

  • Apoiar decisões estratégicas em contratos de seguro e parcerias comerciais, avaliando dados essenciais sobre os envolvidos.

A Inquest se apresenta como uma solução para otimizar o rastreamento patrimonial e a gestão de riscos jurídicos, trazendo maior agilidade na busca por ativos e maior previsibilidade em negociações e execuções. No entanto, como qualquer ferramenta baseada em cruzamento de dados, sua efetividade depende da atualização e confiabilidade das fontes utilizadas.

A plataforma pode ser uma aliada importante para advogados e empresas que lidam com demandas envolvendo cobranças, litígios empresariais e due diligence, mas sua utilização deve, como de praxe, ser complementada por análise criteriosa do profissional do Direito, garantindo que as informações obtidas sejam interpretadas corretamente dentro do contexto jurídico de cada caso.

Chegamos ao fim de mais uma edição da Jus Civile! Esperamos que os temas desta semana tenham sido úteis para sua prática jurídica. Se achou o conteúdo relevante, compartilhe com colegas e amplie essa rede de conhecimento. Nos vemos na próxima edição! ⚖️📩