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Jus Civile #44

Olá, juristas que pensam antes de peticionar! Se o seu objetivo é oferecer argumentos robustos, fundamentações sólidas e estar um passo à frente nos debates jurídicos, então já começou bem: lendo a Jus Civile. Nesta edição, organizamos o que há de mais relevante no Direito Civil e Processual, com aquele olhar crítico que você já conhece — sem rodeios, mas com profundidade. 🦉
Institutos
Pacto antenupcial
O pacto antenupcial é um instrumento jurídico por meio do qual os futuros cônjuges podem convencionar livremente o regime de bens aplicável à sociedade conjugal, dentro dos limites estabelecidos pela legislação. Trata-se de um contrato solene, que exige escritura pública (Art. 1.653 do Código Civil) e, para produzir efeitos perante terceiros, deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do casal (Art. 1.657).
Apesar de sua importância, ainda é subestimado ou elaborado de forma padronizada e acrítica, o que pode gerar nulidades, ineficácia e litígios futuros. Não são raras as ocasiões em que as partes assinam um pacto apenas para atender exigência do cartório, sem compreender as consequências patrimoniais ali envolvidas.
O pacto é comumente exigido nos casamentos celebrados sob o regime de comunhão universal de bens ou separação total de bens, sendo dispensado quando os nubentes optam pela comunhão parcial, que é o regime legal supletivo na ausência de convenção (Art. 1.640 do CC). Ainda, em situações em que a lei impõe a separação obrigatória de bens (como no casamento de maiores de 70 anos, nos termos do Art. 1.641), o pacto é juridicamente irrelevante, por não se sobrepor à imposição legal.
📌 Você sabia? Além da escolha do regime de bens, o pacto antenupcial pode abranger outros aspectos da vida patrimonial do casal. É possível, por exemplo, estabelecer cláusulas sobre administração de bens particulares ou comuns, exclusão de determinados bens da comunicabilidade, regras sobre aquisição futura de patrimônio, obrigações alimentares em caso de separação e até disposições voltadas à sucessão, desde que não contrariem normas de ordem pública ou direitos de herdeiros necessários. A ampla liberdade contratual, contudo, encontra limite no respeito à função social do pacto e à indisponibilidade de certos direitos.
Em um contexto de crescente complexidade das relações familiares e patrimoniais, o pacto antenupcial ressurge como uma ferramenta estratégica de planejamento — ao mesmo tempo técnica, negocial e, por que não, prudente.
Latim jurídico
Beneficium excussionis
O beneficium excussionis é o direito assegurado ao fiador de exigir que o credor, antes de demandá-lo judicialmente, esgote os meios de cobrança contra o devedor principal. Essa prerrogativa encontra previsão no Art. 827 do Código Civil e expressa a natureza subsidiária da fiança: o fiador apenas responde quando o devedor não paga.
Contudo, trata-se de um benefício que pode ser renunciado expressamente (Art. 828, I), e que não se aplica quando o devedor principal está insolvente, desaparecido ou não possui bens suficientes para garantir a dívida (Art. 828, II e III).
Na prática contratual, sobretudo em contratos bancários, é comum que a renúncia ao beneficium excussionis seja inserida de forma padrão, muitas vezes sem a devida compreensão por parte do fiador — o que pode gerar discussões judiciais à luz do dever de informação e da boa-fé objetiva.
📌 Exemplo prático: um comerciante firma contrato de locação comercial, e seu irmão assina como fiador, sem renunciar ao benefício de excussão. O locatário deixa de pagar os aluguéis, e o locador imediatamente ajuíza ação de cobrança contra o fiador. Neste caso, o fiador pode invocar o beneficium excussionis, exigindo que o locador primeiro esgote os meios de execução contra o locatário, seu afiançado. Apenas se a cobrança contra o devedor principal for infrutífera é que poderá ser validamente acionado para adimplir a dívida.
Atualidades
STJ discutirá diligências obrigatórias antes da citação por edital: dever de oficiar órgãos públicos e concessionárias está em pauta

Imagem: Freepik
A Corte Especial do STJ afetou os Recursos Especiais 2.166.983 e 2.162.483 ao rito dos repetitivos (Tema 1.338) para decidir se é obrigatório que o juiz oficie previamente a órgãos públicos e concessionárias de serviços essenciais — como empresas de água, energia, telefonia e bases cadastrais públicas — antes de autorizar a citação por edital, conforme previsto no Art. 256, § 3º, do Código de Processo Civil.
A controvérsia gira em torno da interpretação do que significa "esgotar todas as tentativas de localização do réu", expressão que condiciona a validade da citação ficta. O STJ examinará se essa exigência deve incluir, de forma obrigatória, a expedição de ofícios a entidades públicas e privadas com potencial acesso a dados atualizados sobre o paradeiro do réu. A jurisprudência atual da Corte tem admitido certa discricionariedade judicial, compreendendo tais diligências como facultativas e sujeitas à análise do caso concreto.
A citação por edital, vale lembrar, é medida de caráter excepcional, empregada apenas quando o réu se encontra em local incerto e não sabido, e todas as tentativas razoáveis de localização já foram frustradas. Por se tratar de uma forma ficta de comunicação dos atos processuais, com sérias repercussões sobre o contraditório e a ampla defesa, a doutrina majoritária adverte para o uso parcimonioso dessa modalidade. Quando utilizada sem o devido esgotamento das buscas, abre espaço para nulidades processuais, retrabalho e violação ao devido processo legal.
A definição da tese pelo STJ não alcançará os casos de execução fiscal, regidos por legislação específica (Lei 6.830/1980), os quais já foram objeto de apreciação pela Corte no Tema 102 e também pela Súmula 414 do STJ, segundo a qual é válida a citação por edital quando precedida das diligências necessárias à localização do réu.
O julgamento repetitivo do Tema 1.338 terá impacto relevante sobre a prática processual cível, especialmente em ações envolvendo réus ausentes, herdeiros desconhecidos ou litígios possessórios. A eventual fixação da obrigatoriedade dessas diligências poderá padronizar condutas, evitar nulidades e conferir mais segurança jurídica à fase inicial dos processos.
🔔 A Jus Civile acompanhará de perto o julgamento do Tema 1.338 e trará, em primeira mão, a decisão da Corte Especial, com análise das implicações práticas para a advocacia.
InovAção
Record Mode no ChatGPT: gravações transcritas, resumos automáticos e o que isso representa para a advocacia
O ChatGPT acaba de ganhar uma funcionalidade que promete impactar a forma como reuniões são registradas e processadas: o Record Mode. Lançado inicialmente para o plano Team, o recurso já tem previsão oficial de expansão para os planos mais básicos, inclusive o Plus, o mais utilizado por profissionais liberais e pequenos escritórios.
O funcionamento é direto: o usuário grava uma reunião (até 120 minutos) diretamente pelo app do ChatGPT, e a inteligência artificial realiza a transcrição automática, gera resumos estruturados, identifica tarefas atribuídas e organiza os tópicos com marcação de tempo (timestamping). O resultado é um registro textual navegável e compartilhável — tudo com a promessa de que os áudios não serão usados para treinar modelos e serão excluídos após o processamento.
Para o universo jurídico, a funcionalidade abre caminhos interessantes — e também levanta pontos de atenção:
Reuniões com clientes: a ferramenta pode servir como um mecanismo eficiente para registrar instruções, alinhar estratégias ou revisar atendimentos complexos — sem depender de anotações manuais.
Brainstormings jurídicos e sessões de estudo: equipes podem gravar discussões estratégicas, depois revisar os resumos com sugestões de tarefas extraídas diretamente pelo modelo.
Provas documentais complementares: embora a transcrição de reuniões não substitua os meios formais de produção probatória, pode servir como material preparatório em contenciosos, especialmente em temas empresariais, consumeristas ou de compliance.
Como todo avanço tecnológico, o Record Mode requer avaliação jurídica cautelosa, especialmente em contextos que envolvam:
Consentimento das partes: gravações de conversas, mesmo em ambiente profissional, demandam ciência e anuência dos participantes, sob pena de nulidades e violação de sigilo.
Proteção de dados: ainda que a OpenAI assegure que os áudios não sejam utilizados para treinar modelos, a gravação, transcrição e processamento de dados sensíveis devem observar a LGPD e o sigilo profissional do advogado.
Políticas internas: a adoção segura do Record Mode demanda a criação de rotinas de governança: quem pode gravar, em que contextos, onde os dados serão armazenados e por quanto tempo.
O avanço do Record Mode sinaliza um novo capítulo na integração entre inteligência artificial e prática jurídica, mas também impõe a necessidade de discernimento técnico, cautela regulatória e responsabilidade ética. À medida que essas ferramentas se tornam mais acessíveis, cabe ao profissional do Direito não apenas dominar seu uso, mas compreender seus limites e implicações.
Chegamos ao fim de mais uma edição da Jus Civile. Esperamos que os temas desta semana tenham contribuído para aprofundar sua prática e ampliar sua visão sobre o Direito. Se este conteúdo lhe foi útil, considere compartilhá-lo com colegas — cada nova leitura fortalece nossa missão de oferecer, semanalmente, conhecimento jurídico qualificado e acessível. 🦉
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