Jus Civile #40

Mais uma quarta-feira, mais uma edição da Jus Civile no seu e-mail. Acompanhe com um bom café as discussões jurídicas que realmente importam — sempre com profundidade, rigor técnico e um olhar atento para a prática. ☕⚖️

Institutos

Agravo interno

O agravo interno é o instrumento processual previsto no Art. 1.021 do CPC, cabível contra decisões proferidas monocraticamente por relator no âmbito dos tribunais, sejam de 2ª instância ou superiores. Seu objetivo é submeter a questão à apreciação do colegiado da mesma câmara ou turma, promovendo o controle interno e horizontal da decisão monocrática. Trata-se, portanto, de um recurso com características específicas:

  • Prazo: 15 dias úteis, conforme art. 1.070 do CPC.

  • Dirigido ao próprio relator que proferiu a decisão, que poderá retratar-se (Art. 1.021, §2º).

  • Cabimento: sempre que o relator decidir monocraticamente com base em hipóteses autorizadoras legais, como as do Art. 932, incisos III a V (ex: recurso manifestamente inadmissível, ou que seja contrário a súmulas de tribunais superiores e/ou entendimentos fixados em IRDR).

Além de ser um instrumento de reavaliação, o agravo interno cumpre importante função de controle e coerência jurisprudencial, especialmente quando há divergência interpretativa dentro da própria câmara ou turma do tribunal.

No entanto, é fundamental evitar o uso protelatório do recurso. O §4º do art. 1.021 prevê que, em caso de reiteração infundada, poderá o tribunal aplicar multa de até 5% do valor corrigido da causa, exigível para a interposição de qualquer outro recurso.

🧠Dica prática: ao redigir o agravo interno, o advogado deve ser objetivo e técnico. É essencial demonstrar, de forma clara, o desacerto da decisão monocrática, inclusive contrapondo os fundamentos usados pelo relator com eventuais precedentes específicos aplicáveis ao caso. Se a decisão se basear em súmula ou repetitivo, é necessário argumentar pela inaplicabilidade à hipótese concreta, com fundamentação robusta.

Latim jurídico

Tantum devolutum quantum appellatum

A expressão tantum devolutum quantum appellatum pode ser traduzida como “tanto se devolve quanto se apela”, e representa um princípio clássico do Direito Processual Civil segundo o qual o tribunal de segundo grau apenas poderá reexaminar as matérias expressamente impugnadas no recurso interposto. Em outras palavras, o efeito devolutivo da apelação é limitado ao conteúdo das razões recursais.

Tal princípio encontra amparo no Art. 1.013, §1º, do CPC, e reforça a ideia de que o julgamento em grau recursal não é uma nova oportunidade para reapreciação ampla e irrestrita da sentença, mas sim uma revisão nos limites traçados pelo recorrente. Ressalva-se, evidentemente, a análise de matérias de ordem pública, que podem ser conhecidas de ofício.

Essa regra demanda atenção redobrada por parte dos advogados: deixar de impugnar um capítulo específico da sentença equivale à aceitação tácita daquela parte da decisão, operando-se o trânsito em julgado parcial.

📌 Exemplo prático: imagine uma sentença que, em ação de cobrança, condena o réu ao pagamento do valor principal e também de honorários de 15%. O réu apela, mas limita-se a discutir o valor principal, sem fazer qualquer menção à verba honorária. Ao julgar a apelação, o tribunal não poderá reduzir os honorários de ofício — ainda que os considere elevados — justamente porque, tantum devolutum quantum appellatum, não houve devolução da matéria ao segundo grau. A omissão do recorrente gera preclusão.

Atualidades

Vazamento de dados de clientes da XP Investimentos: riscos reais e consequências jurídicas

Imagem: Espaço XP, na Faria Lima, em São Paulo / Crédito: Jota

No última dia 24 de abril, clientes da empresa XP Investimentos foram surpreendidos com um comunicado da instituição: dados pessoais e financeiros de sua base de clientes haviam sido expostos em razão de um incidente de segurança em servidor de fornecedor terceirizado. Segundo a própria XP, as informações comprometidas incluíam nome completo, telefone, e-mail, data de nascimento, CEP, estado civil, nacionalidade, cargo profissional, número da conta, saldo e posição financeira na XP no mês de março.

Embora a corretora tenha informado que dados sensíveis, como senhas, documentos e assinaturas eletrônicas, não teriam sido acessados, os riscos decorrentes da exposição das informações vazadas são muito mais graves do que pode parecer à primeira vista.

Combinados, os dados expostos permitem a construção de perfis altamente individualizados, facilitando ataques de engenharia social sofisticados. Golpistas que obtêm informações como nome, telefone, e-mail e saldo financeiro conseguem montar abordagens personalizadas e difíceis de identificar como fraudulentas. O conhecimento prévio do valor em custódia por parte do criminoso pode levar, em casos extremos, a extorsões, ameaças, tentativas de sequestro e golpes financeiros violentos, sobretudo quando há exposição do vínculo com assessores de investimento e limite de crédito.

Além disso, os titulares dos dados vazados devem se preparar para o que especialistas chamam de "fulminação digital": uma enxurrada de tentativas de contato por telefone, SMS, e-mail e aplicativos de mensagens, muitas vezes se passando pela própria XP ou por instituições financeiras falsas, tentando induzir a ações que levem à entrega de dados complementares ou autenticações indevidas.

Nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), especialmente o Art. 42, o controlador de dados responde objetivamente pelos danos causados em razão do tratamento inadequado ou inseguro de dados pessoais. A exposição indevida de informações, mesmo quando não intencional, impõe à empresa o dever de prestar contas sobre a eficácia de suas medidas de segurança e de mitigação de danos.

Entretanto, segundo jurisprudência recente do STJ — AgRg no AREsp 2.130.619 —, o simples vazamento de dados não enseja dano moral presumido. Diz o acórdão: “O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável.”

Ou seja, para pleitear indenização, o titular dos dados deverá demonstrar, de forma concreta, que sofreu um prejuízo específico em decorrência do vazamento. Isso pode se dar, por exemplo, por meio da comprovação de:

  • Tentativas reiteradas de golpes direcionados.

  • Recebimento excessivo de chamadas, mensagens e e-mails fraudulentos.

  • Exposição a constrangimentos, situações de risco ou perdas materiais.

Havendo essa demonstração, a indenização por dano moral é juridicamente viável, conforme a combinação entre a LGPD e o CDC, especialmente em relações de consumo digital.

O episódio envolvendo a XP evidencia que, mesmo em empresas com alto grau de sofisticação tecnológica, os riscos de vazamento de dados são reais — e com consequências potencialmente devastadoras para o consumidor. O alerta que fica é duplo: para as empresas, a necessidade urgente de revisar suas políticas e práticas de segurança da informação; e para os titulares dos dados, a importância de documentar qualquer tentativa de fraude decorrente do incidente, para eventual exercício do direito à indenização.

InovAção

Engenharia de prompt: assistente para a preparação para audiências de instrução

A audiência de instrução e julgamento é, muitas vezes, o momento decisivo do processo. É nela que se cristalizam as provas orais, se esclarecem pontos obscuros da causa e se firma a convicção do juiz sobre os fatos controvertidos. Não raro, decisões são definidas com base no que é (ou não é) explorado de forma precisa nesse momento processual.

Por isso, a preparação para a AIJ deve ser minuciosa e estratégica — e nesse ponto a inteligência artificial pode ser uma excelente aliada. A chamada engenharia de prompt (ou prompt engineering) permite que o advogado utilize modelos como o ChatGPT de forma inteligente, orientando a IA a trabalhar com foco, clareza e profundidade, a partir de comandos bem estruturados.

Nesta edição, compartilhamos um prompt replicável para ajudar advogados a se prepararem para a audiência. O comando foi elaborado para que a IA identifique automaticamente os pontos controvertidos, os argumentos centrais das partes, provas já produzidas, testemunhas arroladas e estratégias de abordagem durante os depoimentos. O prompt também pedirá informações adicionais ao advogado, caso o input inicial seja incompleto. Basta colar o prompt abaixo na IA de sua preferência para acessar o seu conhecimento:

🤖Atue como meu assistente jurídico especializado em Direito Processual Civil.

Preciso me preparar para uma audiência de instrução e julgamento. Sua tarefa será estruturar, de forma técnica e estratégica:

  1. A identificação dos pontos controvertidos do processo;

  2. O mapeamento dos principais fundamentos jurídicos das partes (autor e réu);

  3. A organização das provas já produzidas (documentais, periciais ou outras) e sua relevância para cada ponto controvertido;

  4. A análise das testemunhas arroladas, seu perfil, vínculos e a finalidade do depoimento de cada uma;

  5. A elaboração de perguntas específicas para as oitivas (autor, réu e testemunhas), com base nos fatos controvertidos e na linha argumentativa do processo.

Antes de iniciar a análise, me faça perguntas objetivas para preencher eventuais lacunas, como:

  • Qual é o objeto da demanda?

  • Quais são os pedidos formulados?

  • A parte ré apresentou contestação? Quais foram os argumentos?

  • Houve réplica? Que pontos foram reforçados?

  • Quais provas foram produzidas até agora (documentos, perícia, etc.)?

  • Há pontos incontroversos?

  • Quem são as testemunhas arroladas por cada parte? Qual a relação delas com os fatos?

  • A audiência será apenas para produção de prova oral ou também haverá tentativa de conciliação?

Após obter essas respostas, forneça:

  • Um sumário estratégico com os principais pontos da audiência;

  • Sugestão de perguntas específicas para cada testemunha;

  • Recomendações táticas para a condução da audiência;

  • Alerta sobre eventuais riscos probatórios ou contradições esperadas.

Se alguma informação estiver ausente ou vaga, sinalize claramente antes de prosseguir. Sua resposta deve ser estruturada, objetiva e aplicável à prática forense.

Esse prompt é adaptável e pode ser reutilizado em diversas causas com pequenas alterações. Além disso, estimula uma interação ativa com a IA, permitindo que o advogado vá construindo o plano de ação junto com o modelo, em vez de apenas receber um bloco fechado de sugestões.

Na advocacia moderna, quem domina as ferramentas da linguagem — oral, escrita e algorítmica — tem vantagem, e a engenharia de prompt é, cada vez mais, um diferencial estratégico.

Obrigado por nos acompanhar em mais uma edição! Se gostou do que leu, compartilhe a Jus Civile com aquele(a) colega que você sabe que apreciará um conteúdo jurídico de qualidade. Nos vemos na próxima semana! 🦉

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