Jus Civile #39

Entre prazos apertados e audiências marcadas, permita-se um respiro inteligente: prepare seu café e mergulhe conosco na Jus Civile, onde o Direito é explorado para muito além do óbvio.

Institutos

Divórcio unilateral

Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que suprimiu a exigência de separação prévia para a dissolução do casamento civil, o divórcio passou a ser visto como um direito potestativo — ou seja, um direito que pode ser exercido unilateralmente, independentemente da concordância do outro cônjuge.

No contexto prático, falamos aqui do chamado divórcio unilateral, que ocorre quando apenas um dos cônjuges manifesta a vontade de romper o vínculo conjugal, sem necessidade de alegar motivo ou obter o consentimento do outro. Trata-se de uma manifestação de autonomia privada plenamente respaldada pelo ordenamento jurídico.

É importante destacar que o direito ao divórcio não encontra barreiras morais, religiosas ou subjetivas no campo jurídico — a vontade de um dos cônjuges basta. Mesmo que o outro cônjuge esteja contrariado, tente obstar o processo ou se recuse a participar, a dissolução do vínculo matrimonial é viável, desde que observados os trâmites legais, seja pela via judicial ou extrajudicial.

O STF e o STJ já consolidaram o entendimento de que o juiz não pode impor obstáculos ao pedido unilateral de divórcio, nem exigir a prévia resolução de partilha de bens ou questões acessórias (como guarda e alimentos), que devem ser resolvidas em apartados. Isso reforça a natureza autônoma e independente do instituto, que se concentra exclusivamente na dissolução formal do vínculo conjugal.

Inclusive, a prática forense tem avançado para viabilizar a decretação do divórcio de forma liminar, com base na tutela de evidência, reconhecendo que o mero ajuizamento da ação por um dos cônjuges já demonstra a ausência de controvérsia real sobre a dissolução do estado civil. Eventuais pendências patrimoniais ou familiares seguem discutidas em capítulo apartado ou ação própria.

Portanto, o divórcio unilateral é expressão direta da liberdade individual, permitindo que a pessoa dê novo rumo à própria vida, sem depender da anuência do outro ou de justificativas para o Judiciário. O desafio, na prática, está mais na operacionalização desse direito — como evitar a resistência protelatória do outro cônjuge e garantir a efetividade das decisões — do que na sua fundamentação jurídica.

Latim jurídico

Ipsis literis

A expressão ipsis literis vem do latim e significa, literalmente, “com as mesmas letras” ou “exatamente conforme o texto original”. No universo jurídico, seu uso é comum para indicar que algo foi reproduzido de maneira fiel, sem alterações ou adaptações, seja no conteúdo de uma cláusula contratual, no teor de uma decisão judicial, ou no trecho de um documento transcrito em petição.

📌 Exemplo prático: alegar que um dispositivo legal foi incorporado ao contrato ipsis literis significa dizer que a redação foi copiada integralmente, palavra por palavra, sem qualquer modificação. Da mesma forma, ao mencionar que uma decisão de instância inferior foi confirmada ipsis literis pelo tribunal superior, estamos destacando que o acórdão manteve exatamente os fundamentos e os termos utilizados anteriormente.

⚖ Importante distinguir: não se trata apenas de reafirmar a ideia ou o conteúdo jurídico, mas de chamar atenção à identidade textual — ao rigor literal da reprodução.

No plano processual, o uso indiscriminado de citações ipsis literis pode, inclusive, ser criticado, quando feito sem propósito, gerando petições extensas e prolixas. Contudo, quando bem utilizado, o recurso é útil para demonstrar fidelidade argumentativa, evitar distorções interpretativas e reforçar a precisão do raciocínio jurídico.

Atualidades

Vendedor pode responder por obrigações do imóvel posteriores à posse do comprador, decide STJ

Imagem: criação Jus Civile

No julgamento do REsp nº 1.910.280/PR, ocorrido em 03/04/2025 e relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, a Segunda Seção do STJ reafirmou uma tese relevante para advogados que atuam no Direito Civil e Imobiliário: a natureza propter rem das obrigações condominiais permite que o imóvel responda pelas dívidas geradas, mesmo que os débitos tenham surgido após a posse do comprador e mesmo que o proprietário (promitente vendedor) não tenha sido parte da ação de cobrança originária.

O caso envolvia a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB/CT), que, mesmo não mais exercendo a posse do imóvel, foi surpreendida com a penhora do bem para satisfação de dívidas condominiais geradas por promitentes compradores. A COHAB alegava que, segundo o Tema 886/STJ (REsp nº 1.345.331/RS), comprovada a posse do comprador e a ciência do condomínio, a responsabilidade deveria ser exclusiva do comprador.

Contudo, o STJ foi além de uma leitura literal das teses do Tema 886 e, alinhado à teoria da dualidade do vínculo obrigacional, destacou que a responsabilidade patrimonial persiste para o proprietário, mesmo que o débito seja imputável ao comprador. Ou seja, ainda que o comprador deva arcar com a dívida, o bem permanece sujeito à execução, pois o vínculo decorre da coisa, e não apenas das partes.

Embora o comprador estivesse na posse do imóvel, a ausência de registro formal da transferência no cartório manteve o vendedor como proprietário perante terceiros, tornando o imóvel sujeito à penhora por dívidas condominiais. Isso decorre da natureza propter rem da obrigação, que vincula a coisa independentemente da titularidade material ou da relação interna entre as partes, destacando a importância de regularizar a propriedade no registro imobiliário para evitar riscos patrimoniais inesperados.

Conclui-se do julgado que:

  • A obrigação condominial nasce em razão do imóvel, e não da vontade das partes, o que justifica a penhora do bem, mesmo sem citação prévia do proprietário na fase de conhecimento.

  • O proprietário pode sofrer constrição apenas sobre o imóvel gerador da dívida — seus outros bens não respondem.

  • Preserva-se o direito do proprietário de impugnar o cumprimento de sentença ou ajuizar ação autônoma para discutir valores ou eventual direito regressivo.

  • Esse entendimento busca proteger o interesse coletivo condominial, evitando que a coletividade sofra pela inadimplência individual, assegurando ao condomínio acesso a uma garantia patrimonial sólida.

Esse acórdão é uma leitura obrigatória para quem lida com cobranças condominiais e transações imobiliárias, pois reforça que o condomínio não está vinculado às relações privadas entre vendedor e comprador; sua pretensão recai diretamente sobre a coisa, que adere à obrigação de forma automática.

Para os advogados, o alerta é claro: mesmo quando assessorando vendas por contrato particular, sem registro, a orientação deve incluir cláusulas claras sobre o repasse de encargos e, preferencialmente, a atualização registral, para evitar surpresas indesejadas no futuro.

InovAção

A função lousa do ChatGPT

O ChatGPT recentemente incorporou uma funcionalidade que vem chamando atenção no meio jurídico e acadêmico: a chamada função lousa (whiteboard), que permite ao usuário interagir visualmente com esquemas, fluxogramas, diagramas e anotações diretamente na interface do chat.

Mas, afinal, o que isso significa para advogados, estagiários e estudantes de Direito? Vale a pena incluir essa ferramenta na rotina jurídica?

A função lousa do ChatGPT permite criar espaços gráficos dinâmicos dentro da plataforma, onde podem ser desenhados diagramas de processos, quadros comparativos, mapas conceituais ou anotações livres. O usuário pode pedir que a IA desenhe, organize ou destaque elementos visuais para tornar a explicação mais clara, fugindo da limitação do texto linear.

Na prática, isso significa que você pode, por exemplo:

  • Visualizar um fluxograma de procedimento processual civil.

  • Comparar, lado a lado, teses jurídicas divergentes.

  • Construir organogramas de partes e interessados em um processo complexo.

  • Receber mapas mentais para estudar temas doutrinários.

Do ponto de vista técnico, a função lousa é uma adição promissora porque expande a comunicação entre IA e usuário para além do texto, aproximando-se de formas de aprendizagem visual e colaborativa que são especialmente úteis em atividades como preparação para provas, reuniões estratégicas e apresentações para clientes.

Imagem: criação Jus Civile

Por outro lado, ainda há limitações claras:

  • A qualidade gráfica está distante das ferramentas profissionais (como Miro, Lucidchart ou Canva).

  • As opções de personalização são restritas e, muitas vezes, dependem de comandos bem específicos para gerar um resultado útil.

  • Não substitui softwares jurídicos especializados, sobretudo aqueles voltados para gestão de processos, elaboração de minutas ou análise de dados complexos.

Para o advogado que deseja experimentar novas formas de organizar pensamento e estratégia, a função lousa pode ser uma aliada interessante — especialmente em fases criativas de planejamento de tese, estruturação de petições complexas ou preparação para audiências.

Contudo, ela ainda não representa uma revolução tecnológica dentro da advocacia prática: seu impacto é maior como ferramenta de estudo e visualização do que como solução operacional definitiva. É recomendável que os profissionais testem seus usos em casos simples, avaliem a aplicabilidade e observem se ela efetivamente agrega valor à rotina, antes de adotá-la de forma ampla.

Obrigado por nos acompanhar em mais uma edição da Jus Civile. Esperamos que ela tenha inspirado novas reflexões, aprofundado conhecimentos e oferecido ferramentas práticas para sua atuação profissional. Se você acredita que este conteúdo pode fazer a diferença para outras pessoas, compartilhe a newsletter e ajude a construir uma rede de profissionais cada vez mais informados e preparados. Nos vemos na próxima semana! 🦉

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