Jus Civile #37

O feriado passou, o café está pronto — e a Jus Civile nº 37 chegou para retomar o ritmo com conteúdo jurídico direto ao ponto. Em poucos minutos de leitura, você se atualiza com profundidade e técnica. Vamos juntos?

Institutos

Outorga uxória

Imagem: criação Jus Civile

A chamada outorga uxória, também conhecida como outorga marital, é o consentimento obrigatório do cônjuge para a prática de determinados atos que envolvam a disposição ou oneração de bens comuns do casal — ou, em alguns casos, bens particulares do outro cônjuge.

Apesar do nome técnico preservar a expressão tradicional vinculada à figura da esposa (uxor), o instituto aplica-se a qualquer dos cônjuges, independentemente do gênero, sendo uma exigência legal de proteção recíproca no contexto patrimonial do casamento, nos regimes que admitem comunhão de bens.

O instituto está disciplinado no Art. 1.647 do Código Civil, que exige o consentimento do outro cônjuge para:

  • Alienar ou gravar de ônus real bens imóveis.

  • Pleitear ou renunciar à herança ou legado.

  • Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns ou que possam integrar futura meação.

  • Prestar fiança ou aval (salvo se casados sob regime de separação absoluta).

  • Transigir ou firmar compromisso em demandas sobre esses bens.

O Art. 1.648, por sua vez, prevê a possibilidade de suprimento judicial da outorga, caso ela seja negada sem justa causa.

A exigência de outorga não se aplica ao regime de separação absoluta de bens, pois neste há plena autonomia patrimonial entre os cônjuges. Nos demais regimes, inclusive o da separação convencional com comunicação parcial de bens adquiridos após o casamento, a outorga pode ser exigida, dependendo do tipo de bem e do ato praticado.

A função da outorga é proteger a meação e a segurança jurídica na administração do patrimônio conjugal, evitando prejuízos a um cônjuge causados por atos unilaterais do outro.

A ausência da outorga torna o ato anulável, podendo o cônjuge prejudicado pleitear judicialmente a anulação no prazo de até dois anos, contados da data da realização do ato. A jurisprudência reconhece a necessidade de observância desse requisito inclusive em operações bancárias, garantias pessoais e negócios de doação.

Latim jurídico

Jus possidendi

A expressão latina jus possidendi significa literalmente “direito de possuir”, e representa uma das faculdades do domínio no Direito Civil. Trata-se do direito subjetivo de ter a posse de um bem, que decorre, em regra, da titularidade da propriedade.

É importante destacar que o jus possidendi não se confunde com a posse de fato, tampouco com o simples exercício da detenção. É possível alguém ser proprietário de um bem e ter o jus possidendi sem exercer a posse direta ou imediata sobre ele — como no caso de um imóvel alugado.

Do ponto de vista técnico, o jus possidendi integra o conteúdo do direito real de propriedade (Art. 1.228 do Código Civil), e autoriza o proprietário a reivindicar a posse de quem a detenha injustamente, por meio de ação possessória ou de reivindicação, conforme o caso.

📌 Exemplo prático: um imóvel urbano é alugado a terceiros. O locador, embora não exerça a posse direta, mantém o jus possidendi sobre o bem. Se, ao término do contrato, o locatário se recusar a desocupar o imóvel, o locador pode propor ação de imissão na posse, com fundamento em seu direito de possuir, ainda que não seja o atual possuidor.

O estudo do jus possidendi é fundamental para a correta compreensão das ações possessórias e petitórias, bem como para a adequada distinção entre posse, detenção e propriedade, especialmente em litígios sobre imóveis urbanos e rurais.

Atualidades

TJSP reconhece a responsabilidade de museu por acidente que deixou visitante tetraplégico

Em recente acórdão (apelação nº 1009306-28.2023.8.26.0597), a 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de um instituto cultural por danos materiais, morais e estéticos decorrentes de acidente grave em suas dependências. A vítima, um idoso, caiu em um buraco sem sinalização nem proteção dentro das instalações do museu e ficou tetraplégica.

O autor dos autos estava com a neta no colo, a caminho do banheiro do restaurante que funciona dentro do museu, quando caiu em uma vala de aproximadamente 1,20 metro de profundidade. O local, conforme demonstrado nos autos, estava escuro, mal sinalizado e mal protegido, com relatos de que outros acidentes já haviam ocorrido ali anteriormente.

Apesar de alegações de culpa exclusiva ou concorrente da vítima — baseadas em suposta embriaguez e no fato de o acidente ter ocorrido fora do horário de funcionamento —, o TJSP afastou tais teses, por considerar que as testemunhas não presenciaram o fato, e que não havia elementos suficientes para comprovar embriaguez. Ressaltou-se, inclusive, que a vítima carregava uma criança de quatro anos no momento da queda.

O relator, desembargador Dario Gayoso, destacou que o museu, ao permitir a exploração comercial de bar e restaurante em seu espaço, assume os riscos da atividade, devendo responder civilmente por acidentes em suas dependências. Aplicou-se o Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, com ênfase no dever do fornecedor de garantir segurança adequada ao ambiente que oferece ao público.

A indenização por danos materiais foi mantida em R$ 13.911,33, enquanto a reparação por danos morais e estéticos foi majorada de R$ 100.000,00 para R$ 200.000,00, em atenção à gravidade das consequências sofridas pelo autor: deformidade irreversível, limitação de movimentos, perda de autonomia e impacto permanente sobre a qualidade de vida.

📌A decisão reforça a responsabilidade objetiva de fornecedores por falhas na segurança dos serviços oferecidos ao consumidor, especialmente em ambientes de uso coletivo. A ausência de sinalização adequada e a omissão em corrigir riscos previamente identificados foram decisivos para a condenação.

InovAção

Manus AI: agente de IA generalista que conecta ideias e ações

Embora não tenha sido criada especificamente para o mundo jurídico, a Manus AI é uma plataforma de inteligência artificial voltada à revisão e aperfeiçoamento de textos complexos, que pode encontrar aplicações úteis na rotina de profissionais do Direito.

A proposta da ferramenta é atuar como um revisor inteligente de linguagem, oferecendo sugestões relacionadas à clareza, estrutura, fluidez, redundâncias e organização lógica do texto, sem interferir diretamente no conteúdo substantivo da redação.

Diferente de IAs generativas como ChatGPT, a Manus AI não reescreve os textos de forma autônoma. Seu foco está em avaliar e sugerir melhorias com base no que foi efetivamente escrito pelo usuário, funcionando mais como um segundo olhar editorial do que como um redator alternativo.

A Manus AI pode ser particularmente útil para advogados, juristas e estudantes de Direito que desejam revisar petições, contratos, pareceres ou artigos acadêmicos, especialmente quando há preocupação com excesso de tecnicismo ou desequilíbrio na redação.

Ao preservar o conteúdo original e sugerir apenas ajustes formais, a ferramenta pode contribuir para uma comunicação jurídica mais clara e precisa, sem comprometer o rigor técnico.

É importante destacar que a Manus AI não possui vocabulário jurídico especializado, tampouco reconhece normas, precedentes ou conceitos legais. Seu uso deve ser restrito à dimensão linguística do texto, e não substitui a revisão jurídica propriamente dita.

Além disso, por ser uma IA generalista, suas sugestões precisam ser avaliadas criticamente, sobretudo para que não descaracterizem o estilo forense nem comprometam a densidade argumentativa esperada em peças processuais.

📌 A Manus AI não é uma solução jurídica, mas pode ser um instrumento auxiliar para elevar o padrão redacional de textos produzidos no ambiente jurídico. Como toda ferramenta, seu valor depende do uso estratégico, consciente e técnico por parte do operador do Direito.

Obrigado por nos acompanhar até aqui! Se esta edição agregou valor à sua prática jurídica, compartilhe com colegas, grupos de estudo e profissionais do Direito — sua indicação fortalece este projeto e nos ajuda a continuar entregando conteúdo técnico, acessível e relevante.

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