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Jus Civile #35

Começar o dia com conteúdo jurídico bem selecionado é, por si só, uma forma de estratégia profissional. Na Jus Civile, você encontra temas que não apenas informam, mas ajudam a tomar decisões melhores na advocacia e nos estudos. Boa leitura e ótimas reflexões!
Institutos
Exceção de pré-executividade
A exceção de pré-executividade é um instrumento processual de natureza incidental que permite ao executado formular defesa dentro do próprio processo de execução. Ainda que não prevista expressamente no CPC, seu cabimento decorre da construção jurisprudencial iniciada nos tribunais superiores e da doutrina processual, com fundamento nos princípios da legalidade, da economia processual e do acesso à justiça.
A admissibilidade da exceção está condicionada a três requisitos cumulativos:
Matéria cognoscível de ofício pelo juiz (de ordem pública).
Desnecessidade de dilação probatória.
Inadequação ou inviabilidade de outros meios de defesa formais no momento da alegação.
Entre as hipóteses comumente acolhidas pela jurisprudência destacam-se:
Inexistência de título executivo ou nulidade do título apresentado.
Prescrição.
Nulidade da citação na fase de conhecimento.
Ilegitimidade passiva.
Impenhorabilidade do bem constrito.
Falta de liquidez, certeza ou exigibilidade da dívida.
O objetivo da exceção não é a rediscussão do mérito da obrigação, mas sim o controle da legalidade dos pressupostos da execução — especialmente em casos de vícios evidentes que tornam o processo manifestamente inviável ou abusivo. A exceção de pré-executividade é apresentada por petição simples nos autos da execução, com indicação clara da matéria arguida e com prova pré-constituída. Trata-se de uma defesa de natureza objetiva, que não suspende automaticamente o andamento da execução, salvo se houver concessão de tutela provisória pelo juízo.
A resposta do exequente pode se dar por manifestação nos autos. A decisão que acolhe ou rejeita a exceção tem natureza interlocutória, sendo impugnável por agravo de instrumento, nos termos do Art. 1.015, II do CPC.
📌 Distinções em relação aos embargos à execução: diferentemente dos embargos à execução, que exigem observância de um prazo para oposição e garantia do juízo, a exceção de pré-executividade pode ser apresentada em qualquer fase da execução, inclusive após a constrição patrimonial. Enquanto os embargos têm conteúdo amplo e permitem discussão meritória da dívida, a exceção se limita a matérias de ordem pública, formais ou processuais. Há situações em que ambas as defesas podem coexistir, mas o uso da exceção é especialmente indicado quando o vício processual é evidente e a dilação probatória é desnecessária, evitando-se atos processuais inúteis.
Latim jurídico
Contra non valentem agere non currit praescriptio
A máxima contra non valentem agere non currit praescriptio pode ser traduzida como “a prescrição não corre contra quem não pode agir”. No Direito, essa expressão é invocada para fundamentar hipóteses de suspensão do prazo prescricional quando o titular do direito se encontra impedido, por motivo justificado, de exercer a pretensão.
Embora não prevista expressamente no ordenamento brasileiro sob essa formulação latina, a lógica da expressão encontra respaldo em diversos dispositivos do Código Civil, como os Arts. 197 a 199, que tratam das causas impeditivas e suspensivas da prescrição.
📌 Exemplo prático: se um indivíduo sofre dano moral em decorrência de um abuso sofrido na infância, mas só adquire consciência plena do fato ou da possibilidade jurídica de ação muitos anos depois, pode-se argumentar que, enquanto perdurava sua incapacidade psicológica de agir, não corria o prazo prescricional – aplicando-se o princípio do contra non valentem agere non currit praescriptio.
Embora a jurisprudência brasileira não adote o brocardo como fundamento autônomo, ele inspira decisões que afastam a prescrição em casos excepcionais, nos quais o autor demonstra obstáculo legítimo ao exercício do direito de ação, o que reforça a aplicação analógica e a compatibilidade do princípio com os valores constitucionais de acesso à justiça e proteção dos vulneráveis.
Atualidades
Teoria do risco da atividade se aplica a golpe da falsa central, decide TJSP

Imagem: Freepik
Em recente julgamento do Recurso Inominado Cível nº 1003125-98.2024.8.26.0201, o Colégio Recursal do TJSP confirmou a condenação de uma instituição financeira ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 39.000,00, em razão da ocorrência do chamado golpe da falsa central de atendimento. O colegiado reconheceu a aplicação da teoria do risco da atividade, reafirmando o dever de restituição dos valores desviados por terceiros.
No caso, o consumidor foi induzido por criminosos, que se passavam por representantes do banco, a realizar transferências via Pix para contas desconhecidas. A instituição, ao recorrer, sustentou que se tratava de fortuito externo, decorrente de conduta de terceiro ou culpa exclusiva da vítima, afastando, portanto, sua responsabilidade.
Contudo, o TJSP rechaçou essa argumentação. Segundo o acórdão, a fraude envolveu dados bancários e comportamentos incompatíveis com o perfil do cliente, o que evidencia falha na segurança do serviço bancário prestado. O colegiado destacou que a utilização do nome da instituição — ainda que de forma fraudulenta — estabelece a responsabilidade objetiva da fornecedora, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, afastando a tese de fortuito externo.
O fundamento central foi a teoria do risco do empreendimento, que impõe ao fornecedor o dever de suportar os riscos inerentes à sua atividade econômica, inclusive aqueles provenientes de fraudes internas ou previsíveis, independentemente de culpa.
A decisão aplica diretamente a Súmula 479 do STJ, segundo a qual as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, no âmbito de operações bancárias. Também foi invocado o Enunciado nº 14 da Seção de Direito Privado do TJSP, que reconhece a responsabilidade das instituições bancárias por falhas em operações via PIX, nos casos de fortuito interno.
A decisão reafirma a tendência jurisprudencial de imputar aos bancos o ônus da segurança nas operações digitais, mesmo diante da crescente sofisticação das fraudes. Ao classificar o evento como fortuito interno, o TJSP delimita o campo da responsabilidade objetiva, afastando a ideia de que a atuação de terceiros seria, por si só, causa excludente de responsabilidade.
O julgado contribui para a formação de um padrão protetivo ao consumidor e fortalece o entendimento de que, no contexto digital, a negligência do sistema de monitoramento bancário pode configurar falha na prestação do serviço, ainda que o consumidor tenha agido de forma ingênua ou com atenção reduzida.
InovAção
IA e advocacia: os principais erros na era da automação
A incorporação da inteligência artificial na rotina dos escritórios jurídicos é uma realidade cada vez mais presente. Ferramentas como ChatGPT, copilotos jurídicos, buscadores inteligentes e geradores de petições têm ampliado a produtividade e a agilidade de profissionais do Direito. No entanto, o uso indiscriminado ou mal direcionado dessas tecnologias pode comprometer a qualidade técnica, a responsabilidade profissional e até a credibilidade do advogado perante o juízo.
A seguir, destacamos os principais erros cometidos na utilização de IA por advogados, com o objetivo de promover um uso consciente, estratégico e compatível com as exigências da prática jurídica:
❌Confiar cegamente nas respostas da IA: as ferramentas de IA generativa podem apresentar argumentos convincentes, mas frequentemente incluem citações de jurisprudência inexistentes, dispositivos legais imprecisos ou interpretações distorcidas.
✅Como evitar: utilize a IA apenas como rascunho inicial. Sempre verifique em fontes oficiais os fundamentos jurídicos sugeridos. Não protocole nenhuma peça sem revisão técnica completa.
❌Usar comandos vagos ou mal direcionados (prompts genéricos): um comando como “faça uma petição sobre responsabilidade civil” levará a um texto genérico e pouco útil.
✅Como evitar: estruture o prompt de forma contextualizada e objetiva, informando o tipo de ação, juízo, partes, causa de pedir, pedidos, provas e eventuais teses jurídicas. Quanto mais dados relevantes, melhor a resposta.
❌Ignorar a responsabilidade profissional e os limites éticos: utilizar IA para gerar peças sem revisão ou com conteúdo questionável pode violar preceitos éticos da advocacia, além de prejudicar o cliente.
✅Como evitar: encare a IA como assistente de pesquisa e escrita, e nunca como substituto do raciocínio jurídico. Mantenha a autoria intelectual e a responsabilidade técnica sobre tudo que for produzido.
❌Inserir dados sensíveis sem anonimização: muitos usuários inserem nomes, CPF, números de processo ou informações confidenciais diretamente nos sistemas de IA, o que contraria o dever de sigilo profissional e a LGPD.
✅Como evitar: faça anonimização rigorosa dos dados reais. Use nomes fictícios e abstrações para testar estruturas ou redigir modelos. Evite expor dados que possam identificar pessoas ou casos concretos.
❌Copiar o conteúdo gerado sem adaptação estratégica: textos gerados por IA tendem a seguir modelos padronizados, que não necessariamente refletem o tom, estilo ou posicionamento tático adequado ao caso.
✅Como evitar: use o conteúdo como base de partida, mas sempre reformule os argumentos conforme a sua estratégia, adaptando linguagem, ênfase e estrutura para o perfil do juízo, da demanda e do cliente.
A IA é, sem dúvida, um divisor de águas para os profissionais do Direito. Mas como toda ferramenta poderosa, exige domínio, critério e responsabilidade. Saber o que pedir, como usar e quando confiar é o que diferencia o uso produtivo do uso imprudente. Na prática forense, a tecnologia pode impulsionar o advogado — ou expor suas fragilidades, caso não seja usada com consciência técnica.
Chegamos ao fim de mais uma edição da Jus Civile, com conteúdo pensado para informar, provocar e enriquecer a sua prática jurídica. Se algo aqui foi útil para você, é bem provável que também seja para outros colegas. Compartilhe a newsletter e ajude a fortalecer o nosso projeto. ⚖️📬
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