Jus Civile #24

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Institutos

Adimplemento substancial

O adimplemento substancial é um instituto relevante no campo do Direito Contratual, especialmente por seu papel na preservação da relação jurídica entre as partes e na mitigação de consequências desproporcionais em casos de inadimplemento parcial. Embora não esteja expressamente previsto no Código Civil ou no CPC, o instituto deriva de princípios como a boa-fé objetiva, a função social dos contratos e a vedação ao abuso de direito, os quais sustentam a ideia de que o descumprimento parcial de uma obrigação não deve gerar, de forma automática, a resolução contratual, especialmente se a maior parte da prestação já tiver sido cumprida.

O adimplemento substancial busca assegurar o equilíbrio contratual e evitar penalidades excessivas em situações em que a prestação devida foi majoritariamente cumprida. O princípio não ignora o inadimplemento parcial, mas prioriza a continuidade do contrato e a manutenção dos efeitos já produzidos, considerando, ainda, que a resolução do contrato pode causar prejuízos desproporcionais à parte que cumpriu substancialmente sua obrigação.

Em termos práticos, o instituto reflete o entendimento de que a tutela jurídica deve proteger os interesses legítimos das partes de maneira proporcional, buscando um equilíbrio entre direitos e obrigações. A aplicação do princípio do adimplemento substancial, embora consolidada na jurisprudência, exige cautela e uma análise caso a caso. O julgador deve verificar:

  1. O grau de cumprimento da obrigação: a prestação principal deve ter sido cumprida de forma significativa. Pequenos descumprimentos ou aspectos acessórios não podem justificar a resolução do contrato.

  2. A relevância do inadimplemento remanescente: é necessário avaliar se a parte não cumprida compromete, de fato, a finalidade econômica ou a essência do contrato.

  3. O impacto na parte prejudicada: deve ser analisado se o descumprimento parcial gerou ou pode gerar prejuízo significativo para a parte credora.

Esses critérios buscam evitar tanto o desequilíbrio contratual quanto o enriquecimento sem causa de uma das partes. Na prática, o adimplemento substancial aparece com maior frequência em contratos de execução continuada ou de longo prazo, como contratos de compra e venda de bens duráveis, financiamentos e locações. Por exemplo, nos contratos de financiamento de veículos, os tribunais têm aplicado o princípio em casos nos quais o devedor já pagou a maior parte das parcelas (geralmente mais de 70% ou 80%), impedindo a retomada do bem por parte da instituição financeira.

Outro exemplo relevante envolve os contratos de empreitada, em que o contratante não entrega parte acessória da obra, mas cumpre a prestação principal. Nesse caso, o princípio tem sido utilizado para evitar a rescisão completa do contrato.

Limites e controvérsias: embora o princípio do adimplemento substancial tenha papel importante na preservação das relações contratuais, sua aplicação enfrenta desafios e controvérsias. Um dos principais pontos de debate é a ausência de um critério legal objetivo para determinar o que constitui um "adimplemento substancial". A interpretação fica a cargo do julgador, o que pode gerar insegurança jurídica em algumas situações.

Além disso, o princípio não pode ser usado de forma indiscriminada para justificar descumprimentos deliberados ou frequentes. Ele é limitado por outros princípios, como o pacta sunt servanda, e deve ser invocado apenas em situações em que o descumprimento seja mínimo e o impacto na relação contratual seja irrelevante.

O adimplemento substancial é um instituto que reflete a evolução do Direito Civil na busca por soluções mais justas e proporcionais nas relações contratuais. Sua aplicação exige um equilíbrio entre a proteção do devedor e os direitos do credor. Embora ainda existam desafios em sua aplicação, a consolidação jurisprudencial demonstra o papel desse princípio como um importante instrumento para a manutenção do equilíbrio contratual.

Latim jurídico

Venire contra factum proprium

A expressão venire contra factum proprium significa "vir contra um fato próprio" e representa um importante princípio jurídico ligado à boa-fé objetiva. Sua aplicação impede que uma pessoa adote comportamentos contraditórios em prejuízo de outra, especialmente quando sua conduta anterior gerou uma expectativa legítima ou uma situação de confiança.

No Direito Civil brasileiro, o venire contra factum proprium é amplamente utilizado para evitar abusos de direito e assegurar a lealdade nas relações jurídicas. Um exemplo clássico é o de um locador que, após tolerar atrasos reiterados nos pagamentos, decide repentinamente rescindir o contrato por inadimplência, sem qualquer aviso ou aviso prévio. Nesse caso, sua conduta contraditória poderia ser afastada com base no instituto. O termo venire contra factum proprium refere-se, portanto, à intenção de coibir comportamentos incoerentes e desleais no âmbito jurídico.

Atualidades

Paciente será indenizada após queimadura em procedimento cirúrgico, decide TJMG

Imagem: Freepik

No julgamento do processo nº 1.0000.24.266520-6/001, a 13ª Câmara Cível do TJMG condenou solidariamente um hospital e um médico a indenizarem uma paciente em R$ 12.000,00 por danos morais e R$ 5.000,00 por danos estéticos, em razão de uma queimadura sofrida durante uma cirurgia de laqueadura tubária por videolaparoscopia. A paciente relatou que, durante o procedimento, o médico descuidou-se, permitindo que o bisturi elétrico encostasse na face anterior de sua coxa, causando uma lesão que gerou dores intensas, constrangimento e uma cicatriz irreversível, com pele repuxada e coloração arroxeada.

Embora o médico tenha negado erro e o hospital alegado ausência de responsabilidade, a perícia foi categórica ao confirmar que o dano era compatível com o uso do equipamento cirúrgico. O laudo destacou que queimaduras elétricas, embora raras, são um risco conhecido em procedimentos que utilizam eletricidade. Inicialmente, a sentença de primeiro grau condenou os réus ao pagamento de R$ 12.000,00 por danos morais, mas julgou improcedente o pedido de indenização por danos estéticos. Em grau de recurso, a decisão foi parcialmente reformada pelo TJMG, que fixou a indenização por dano estético em R$ 5.000,00, somando um total de R$ 17.000,00 a título de reparação.

O relator, desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata, destacou que a prova pericial e as fotos da cicatriz comprovavam o dano causado e ressaltou que qualquer alteração física permanente que implique constrangimento estético ou funcional é passível de indenização. A alegação de que não havia registro de intercorrências no prontuário médico foi considerada insuficiente para afastar a conclusão pericial de que a queimadura ocorreu durante o procedimento. Segundo o magistrado, o dano estético pode ser caracterizado por qualquer modificação física permanente que reduza os padrões de beleza ou cause impacto psicológico à vítima.

A decisão reafirma a responsabilidade dos médicos, que, como profissionais liberais, respondem subjetivamente pelos danos causados, nos termos do Art. 14, § 4º, do CDC. Isso significa que deve haver comprovação de culpa, o que foi devidamente evidenciado no caso. Já o hospital, como prestador de serviços, responde de forma objetiva, cabendo a ele garantir a segurança do paciente durante o procedimento, conforme prevê o Art. 14 do CDC.

Esse caso reforça a importância da perícia médica em processos de responsabilidade civil e destaca o dever das instituições e profissionais de saúde de adotar práticas seguras, prevenindo riscos evitáveis. A decisão também demonstra o cuidado dos tribunais na fixação de valores indenizatórios que compensem adequadamente o sofrimento da vítima, ao mesmo tempo em que respeitem os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

InovAção

Cred Localiza: ferramenta de busca de bens e informações

A Cred Localiza é uma plataforma que facilita a rotina dos advogados ao oferecer ferramentas para buscas e consultas úteis no exercício da advocacia. A solução, que funciona sob demanda, destaca-se por sua praticidade e flexibilidade, sendo especialmente útil para quem atua em execuções judiciais, cobranças e recuperação de crédito.

Entre os principais recursos da plataforma estão as pesquisas de veículos por CPF ou CNPJ, que permitem localizar esses bens vinculados a uma pessoa física ou jurídica, além da uma ferramenta “Sniper”, já usada pelo Judiciário, que fornece um mapa completo sobre a vida jurídica da pessoa pesquisada (relações societárias, patrimônio, etc.). Outro diferencial são as consultas de imóveis, que fornecem informações relevantes para penhora ou outras medidas legais, e o acesso a dados de negativações, um recurso valioso para análise de crédito e estratégias de cobrança.

O modelo de pagamento por demanda é um ponto positivo, pois elimina a necessidade de assinatura mensal, permitindo que o advogado ou escritório pague apenas pelo que utilizar. Essa abordagem torna a ferramenta acessível a profissionais que possuem menor volume de casos ou que precisam apenas de consultas esporádicas.

A Cred Localiza pode ser considerada uma aliada estratégica para advogados, especialmente em um cenário de crescente necessidade de eficiência e precisão nas execuções. No entanto, como em qualquer ferramenta, é fundamental avaliar a confiabilidade das informações obtidas, a atualização dos dados fornecidos e os limites éticos de sua utilização, sobretudo no que se refere à privacidade e à proteção de dados pessoais.

A ferramenta também é uma alternativa interessante para escritórios que buscam otimizar o tempo e os custos relacionados à busca de informações patrimoniais e cadastrais, evitando processos mais burocráticos ou demorados em órgãos públicos e bancos de dados convencionais.

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