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Jus Civile #17

Bem-vindo à Jus Civile, sua fonte semanal de conteúdo especializado em Direito Civil e Processual Civil. A nossa missão é trazer insights práticos e reflexões que contribuam diretamente para a sua prática jurídica. Pegue um café, e boa leitura!
Institutos
Teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência

A teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência, aplicada no âmbito da responsabilidade civil médica, aborda situações em que a conduta culposa de um profissional ou estabelecimento de saúde reduz ou elimina a probabilidade do paciente alcançar a recuperação ou prolongar sua vida. Trata-se de um dano autônomo, distinto do resultado final que poderia ter sido alcançado, como a cura total ou a extensão do tempo de vida. Nesses casos, o foco não está no desfecho inevitável da condição clínica, mas sim na oportunidade concreta que foi indevidamente retirada.
Para a caracterização desse tipo de responsabilidade, é indispensável que se demonstre a existência de uma chance real e significativa de melhora ou sobrevida, aliada à prova de que a conduta negligente, imprudente ou imperita foi determinante para sua supressão ou redução. São exemplos comuns diagnósticos tardios de doenças graves, erros em procedimentos cirúrgicos ou falhas na comunicação de informações essenciais para decisões terapêuticas. O ponto central é a relação de causalidade entre a omissão ou erro e a perda da possibilidade concreta de um resultado favorável.
A reparação, nesse contexto, apresenta desafios específicos, especialmente no que diz respeito à quantificação do dano. Não se trata de indenizar pela perda total do bem jurídico, como a vida ou a saúde, mas pela frustração da chance que o paciente possuía de alcançá-los. O valor da indenização deve, idealmente, refletir a probabilidade perdida e, para tanto, é essencial a utilização de elementos técnicos e científicos, como laudos médicos e estatísticas confiáveis. Assim, se a conduta culposa reduziu as chances de cura de 70% para 20%, a indenização será proporcional à diferença de 50%.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a aplicabilidade dessa teoria em diversos casos. No julgamento do REsp 1.802.870/SP, por exemplo, concluiu-se pela responsabilidade de um hospital cujo erro no diagnóstico diminuiu significativamente as chances de cura de um paciente com doença grave. A decisão reforça a necessidade de critérios rigorosos na análise de tais demandas, evitando que a aplicação indiscriminada do instituto comprometa a segurança jurídica e o exercício da medicina.
Análise crítica do instituto: A teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência representa um avanço importante na proteção dos direitos dos pacientes, mas sua aplicação demanda cautela e critérios bem delimitados. Apesar de ampliar o alcance da responsabilidade civil médica, a subjetividade inerente à avaliação das chances perdidas pode gerar decisões divergentes e impactar a segurança jurídica. A quantificação do dano, baseada em probabilidades e estimativas, muitas vezes carece de uniformidade, o que abre margem para arbitrariedades. Além disso, há o risco de que a banalização do instituto desestimule práticas médicas em áreas de maior complexidade ou incerteza terapêutica, pela preocupação com eventuais condenações. É essencial, portanto, que os julgadores façam uma análise técnica rigorosa, respaldada por provas robustas, para evitar o desequilíbrio entre a proteção dos pacientes e a preservação do exercício legítimo da medicina.
Latim jurídico
Acessorium sequitur principale
A máxima acessorium sequitur principale estabelece que o acessório segue a sorte do principal, sendo amplamente aplicada no Direito Civil, especialmente no Direito das Coisas.
Um exemplo prático é a transferência de frutos e benfeitorias junto ao bem principal em contratos de compra e venda. No contexto das garantias reais, como a hipoteca, os acessórios do imóvel permanecem vinculados ao direito de garantia, mesmo que o bem principal seja alienado, protegendo os interesses do credor e reforçando a segurança jurídica.
Esse princípio evita fragmentações jurídicas, preservando a integridade do bem principal e promovendo maior funcionalidade nas relações jurídicas. Por sua relevância, acessorium sequitur principale segue sendo uma referência central para a interpretação de normas e resolução de conflitos patrimoniais.
Atualidades
Ônus probatório e benfeitorias em imóvel próprio em Ação de Divórcio
No julgamento do REsp 1.888.242/PR, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou uma questão complexa envolvendo a atribuição do ônus da prova em ações de divórcio, especificamente no que diz respeito às benfeitorias realizadas em imóvel de propriedade de um dos cônjuges. O caso trouxe à tona a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, bem como a interpretação do Art. 1.253 do CC, que estabelece a presunção juris tantum de que toda construção ou plantação em um terreno pertence ao proprietário e foi feita às suas custas.
No caso concreto, discutia-se a possibilidade de partilha de benfeitorias realizadas em um imóvel registrado em nome do cônjuge varão. A controvérsia surgiu porque, além de ser o proprietário formal do bem, ele alegava que as benfeitorias haviam sido feitas exclusivamente com seus recursos, invocando a presunção do referido Art. 1.253. Contudo, o tribunal de origem entendeu que, considerando as peculiaridades da relação conjugal e o regime de bens (comunhão parcial), havia elementos para presumir que as benfeitorias haviam sido realizadas com esforço comum dos cônjuges, especialmente diante de interrupções na convivência matrimonial e do fato de ambos serem coproprietários do imóvel durante o vínculo.
A questão central girava em torno de quem deveria comprovar o financiamento das benfeitorias. O STJ destacou que, de acordo com o Art. 371, §1º, do CPC, o juiz pode, diante de peculiaridades do caso concreto, redistribuir o ônus da prova de forma dinâmica entre as partes. Tal faculdade tem o objetivo de garantir uma decisão justa e efetiva, promovendo a paridade de armas no processo e evitando que o ônus recaia sobre quem está em desvantagem probatória. No caso analisado, o STJ manteve a decisão que deslocou o ônus para o cônjuge varão, por entender que as circunstâncias indicavam ser dele a maior aptidão para comprovar que as benfeitorias foram realizadas exclusivamente com seus recursos.
Esse julgamento reafirma a importância da teoria da carga dinâmica em litígios patrimoniais decorrentes do casamento. Ao mesmo tempo, aponta para uma flexibilização na aplicação de presunções legais, como a do Art. 1.253 do CC, que pode ser afastada mediante a demonstração de peculiaridades concretas. A decisão também enfatiza que a distribuição dinâmica do ônus probatório deve ser aplicada com parcimônia, a partir de uma análise cuidadosa das circunstâncias e do acervo probatório disponível.
A abordagem adotada pelo STJ, ao alinhar o ônus probatório às condições de cada parte, contribui para a efetividade do processo civil. Contudo, é fundamental que a redistribuição do ônus da prova não seja empregada de maneira indiscriminada, sob pena de gerar insegurança jurídica. Nesse sentido, a decisão reforça a necessidade de critérios objetivos e fundamentação adequada quando da aplicação da teoria, para que se preservem os princípios do contraditório e da ampla defesa no âmbito do processo civil.
InovAção
RENAJUD: conheça o potencial dessa ferramenta estratégica para a efetividade da execução
O RENAJUD é uma interessante ferramenta que pode ser usada para a aumentar a efetividade em processos de execução. Trata-se de um sistema eletrônico que interliga o Poder Judiciário ao Registro Nacional de Veículos Automotores (RENAVAM), permitindo ao juiz adotar medidas em relação a veículos registrados em nome do executado.
Embora o acesso direto ao sistema seja restrito aos magistrados, conhecer as funcionalidades do RENAJUD é fundamental para advogados, que podem sugerir ao juiz a adoção de medidas específicas e pertinentes para cada tipo de situação, com base nas possibilidades da ferramenta.
A seguir, destacamos quatro funcionalidades principais do RENAJUD, sendo algumas delas pouquíssimo utilizadas na praxe forense:
Descobrir o endereço do proprietário de um veículo: o sistema permite a consulta do endereço do proprietário de um veículo por meio do CPF ou CNPJ, além de possibilitar a busca pelo registro da placa. Essa funcionalidade é valiosa para localizar executados que evitam notificações ou se esquivam de citação/intimação em ações judiciais.
Busca de veículos em nome do executado: uma das aplicações mais tradicionais do RENAJUD é a pesquisa de veículos registrados em nome do devedor. Por meio do CPF ou CNPJ, o sistema identifica todos os bens dessa natureza, possibilitando medidas executórias mais eficazes, como penhora e restrição.
Anotação de restrições no cadastro do veículo: o sistema permite registrar restrições que impedem a transferência, a circulação ou a alienação do veículo. Também é possível que eventual penhora incidente sobre um veículo seja anotada pelo sistema, o que impede a alegação de boa-fé de terceiros adquirentes do bem. Essa medida é crucial para evitar que o devedor se desfaça de bens no curso do processo judicial, assegurando que eles permaneçam disponíveis para eventual expropriação.
Suspensão da CNH do executado: o RENAJUD, integrado ao Cadastro Nacional de Habilitações, permite anotar a suspensão da carteira de motorista do devedor. Essa medida pode ser empregada em casos estratégicos para pressionar o cumprimento de obrigações, como no caso das medidas executivas atípicas previstas no CPC.
Para advogados, explorar o potencial do RENAJUD é mais do que compreender suas funcionalidades: é também saber argumentar com precisão no pedido ao magistrado, visando a uma execução ágil e efetiva. Assim, o domínio sobre essa ferramenta coloca o advogado um passo à frente na busca por soluções concretas e eficazes para o recebimento do crédito.
Agradecemos por acompanhar a Jus Civile em mais uma edição. Esperamos que os conteúdos desta semana tenham enriquecido seu conhecimento e instigado novas reflexões jurídicas. Se você gostou, compartilhe a newsletter com colegas e amigos que também possam se interessar. Até a próxima semana!