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Jus Civile #14

Sejam bem-vindos à 14ª edição da Jus Civile! Nessa semana trazemos insights sobre questões atuais e análises que buscam enriquecer o seu conhecimento sobre Direito Civil e Processo Civil. Pegue um café e boa leitura!
Institutos
Estado de perigo
O instituto do estado de perigo, previsto no Art. 156 do Código Civil, é uma das hipóteses de defeito do negócio jurídico, com o objetivo de proteger aqueles que, em situações de extrema necessidade, são levados a assumir obrigações excessivamente onerosas. Segundo o caput do referido artigo, o estado de perigo ocorre quando uma pessoa, para evitar um grave dano a si mesma ou a um familiar, aceita uma obrigação com sacrifícios desproporcionais.
No estado de perigo, o vício reside no consentimento do agente, que, em razão da urgência e da falta de alternativas, é praticamente compelido a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação desproporcional e excessiva. Trata-se, portanto, de uma situação em que o consentimento é manifestado de forma livre apenas na aparência, já que a pressão da circunstância limita a liberdade de escolha do contratante.
A exegese do Art. 156 descortina os elementos estruturais do estado de perigo:
Necessidade de salvar-se ou salvar a pessoa da família de um dano grave e iminente.
Conhecimento dessa situação pela outra parte, que se aproveita da vulnerabilidade do contratante.
Onerosidade excessiva da obrigação assumida, ou seja, uma desproporção clara entre o sacrifício assumido e o proveito obtido.
O estado de perigo pode se manifestar em situações como o pagamento exagerado a uma clínica médica em uma situação de emergência de saúde de um familiar ou a contratação de serviços a um preço abusivo para lidar com uma calamidade natural que atinja a residência do contratante. Outro exemplo clássico é o do náufrago, que promete a outrem recompensa exorbitante pelo seu salvamento.
Imagine-se uma pessoa que, ao ver seu filho necessitando de um tratamento médico urgente e sem outras alternativas, aceita pagar um valor muito superior ao mercado para garantir o atendimento. Nessa situação, pode-se invocar o estado de perigo para pedir a revisão ou até a nulidade do negócio jurídico, caso se comprove que a outra parte se aproveitou dessa necessidade.
O instituto do estado de perigo visa proteger a justiça contratual e assegurar que situações de emergência ou de grave necessidade não sejam exploradas para impor obrigações excessivamente desvantajosas. Esse dispositivo do Código Civil revela uma preocupação ética em resguardar o equilíbrio nas relações jurídicas, especialmente em contextos em que uma das partes encontra-se em condição de extrema vulnerabilidade.
Latim jurídico
Mors omnia solvit
A expressão mors omnia solvit, que significa "a morte tudo dissolve", reflete o princípio de que a morte extingue a capacidade jurídica da pessoa, encerrando seus direitos e obrigações pessoais. Com o falecimento, ocorre a dissolução automática de vínculos essenciais, como o poder familiar e o casamento, e abre-se a sucessão, pela qual o patrimônio do falecido é transferido aos herdeiros.
Os contratos personalíssimos, que dependem da atuação direta do falecido, também se extinguem, já que não podem ser executados por terceiros. Além disso, a morte encerra a obrigação de pagar alimentos, mas essa responsabilidade pode ser transferida ao espólio ou aos herdeiros, conforme as forças da herança. Assim, a máxima mors omnia solvit refere-se ao impacto da morte nas relações jurídicas.
Vale lembrar que a morte não representa o completo aniquilamento do falecido, tendo em vista que a sua vontade sobrevive através do testamento ou outras disposições de última vontade.
Atualidades
Condomínios e Airbnb: STJ autoriza restrição à locação por curta temporada

Em uma decisão relevante para o mercado de locações e para o direito condominial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, em 20 de abril de 2021, que condomínios residenciais podem proibir o uso de imóveis para locação por curta temporada em plataformas digitais como o Airbnb. A decisão ocorreu no julgamento do Recurso Especial 1.819.075/RS, sendo fundamentada pela maioria dos ministros no entendimento de que esse tipo de locação é incompatível com a finalidade exclusivamente residencial de condomínios.
O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, votou contra a possibilidade de os condomínios restringirem a locação por meio de plataformas digitais, argumentando que a locação de curta duração seria uma extensão do direito de propriedade, e, portanto, deveria ser protegida. Em seu entendimento, impedir essas locações representaria uma interferência excessiva na liberdade do proprietário de utilizar seu imóvel. O relator destacou que a convenção do condomínio não poderia proibir atividades que, embora pontuais e frequentes, não descaracterizam o uso residencial do imóvel.
Apesar disso, a maioria da Quarta Turma do STJ divergiu do relator e votou a favor do poder do condomínio de impor restrições ao uso dos imóveis para locação via plataformas digitais. Os ministros que compuseram a maioria consideraram que esse tipo de locação se aproxima de uma atividade comercial, devido ao caráter rotativo e temporário dos ocupantes, o que interfere na convivência e segurança do ambiente residencial. Segundo a visão majoritária, a alta rotatividade de hóspedes altera a dinâmica da vizinhança e aumenta os riscos de segurança, impactando diretamente a paz e a privacidade dos demais moradores do condomínio.
Com essa decisão, o STJ reafirmou o direito dos condomínios de estabelecerem regras para proteger o interesse coletivo, inclusive limitando o uso individual da propriedade. A decisão reconhece que, embora o proprietário possua o direito de usufruir de seu imóvel, esse direito deve ser exercido em harmonia com a destinação residencial e o bem-estar da comunidade condominial. Dessa forma, a convenção de condomínio pode proibir locações de curta duração, uma vez que elas alteram a finalidade e o uso essencial dos imóveis em um contexto residencial.
A decisão do STJ reflete uma tensão clássica no direito condominial: o equilíbrio entre o direito de propriedade individual e a liberdade do coletivo de regular a convivência por meio do regramento privado (convenção de condomínio). De um lado, o proprietário busca a liberdade de dispor de seu imóvel, inclusive explorando-o economicamente; de outro, os condôminos têm o direito de preservar a segurança, a tranquilidade e a identidade residencial do espaço comum e das demais unidades, mediante regramento previamente estabelecido.
InovAção
Google NotebookLM – IA para análise de textos e julgados
O Google NotebookLM é uma ferramenta de inteligência artificial desenvolvida para auxiliar na organização, análise e síntese de conteúdos complexos, facilitando o trabalho com textos longos e densos. Utilizando algoritmos avançados, a plataforma permite que o usuário crie resumos, extraia insights e organize esquemas visuais a partir de documentos extensos, como relatórios, artigos e, especialmente relevante para o mundo jurídico, acórdãos e julgados de tribunais.
Projetado inicialmente para auxiliar estudantes e profissionais a se organizarem em suas pesquisas, o NotebookLM integra inteligência artificial com funcionalidades de processamento de linguagem natural. Ele permite carregar documentos e, a partir disso, gera resumos automáticos, destaca pontos-chave e cria listas de tópicos que facilitam o entendimento do conteúdo. Além disso, o NotebookLM oferece opções de visualização, como esquemas e organogramas, que transformam o material em representações mais intuitivas e de fácil acesso.
Para advogados, juristas e estudantes de Direito, o NotebookLM é uma ferramenta promissora para análise de decisões judiciais, acórdãos e outros documentos jurídicos complexos. Muitas vezes, o estudo de julgados e jurisprudências envolve a análise de grandes volumes de texto, em que é necessário identificar fundamentos legais, precedentes, divergências e especificidades do caso. Com o NotebookLM, o profissional jurídico pode carregar um acórdão e rapidamente obter resumos e insights sobre os principais pontos, poupando tempo e aumentando a precisão na compreensão das decisões.
A Jus Civile testou a ferramenta e o que mais chamou a nossa atenção é o fato de essa IA gerar um arquivo de áudio com uma espécie de conversa entre duas pessoas (em um estilo podcast) sobre o assunto do texto dado como input; a conversa é extremamente fluida e aborda diversas nuances do texto submetido.
Além disso, a plataforma pode estruturar os principais argumentos e fornecer esquemas visuais dos julgados, o que facilita a elaboração de petições mais claras e bem fundamentadas. Para profissionais que lidam com prazos e demandas intensas, essa funcionalidade permite a consulta e organização de dados de forma ágil e eficiente, ajudando a integrar a informação dos julgados diretamente nas estratégias de argumentação.
Esperamos que esta edição tenha enriquecido sua compreensão sobre temas do Direito Civil e Processual Civil. Aproveite os insights desta semana para aprofundar suas análises e fortalecer sua prática. Se você achou este conteúdo útil, compartilhe a newsletter com colegas. Assim, contribuímos juntos para disseminar conhecimento jurídico de qualidade. Nos vemos na próxima edição!